Ele contava os dias nas pontas dos dedos esperando a sexta-feira de carnaval. Já estava tudo armado, planejado detalhe por detalhe. A sogra saída há pouco de uma cirurgia aguardava a filha para lhe fazer companhia. Seria a primeira folga depois de cinco anos de casamento com algumas sem-vergonhices de tempo curto, entre a saída do serviço e a chegada em casa com as desculpas esfarrapadas de sempre.
Desta vez seria bem diferente. A mulher já tinha viajado para a casa da mãe, lá para os quintos do inferno, alguma coisa em torno de quinhentos quilômetros de distância. Só retornaria depois da quarta-feira de cinzas. E ele ali, solteiro, contando os minutos para o dia passar depressa e a sexta-feira chegar.
O plano era recuperar o tempo perdido e tirar o atraso. Madalena, aquela morena brejeira da padaria lá do bairro, estava na lista. Outra que não escaparia dos planos era a Lúcia, aquela sapeca da loja do Sô Tião e que a turma do bairro apelidou de Mel Quiboa, numa alusão de gosto duvidoso à atriz Mel Lisboa. Sem esquecer a danada da Ritinha, uma biscateira de quadris largos que fazia faxina em várias casas do bairro, sempre de amizade com as mulheres e algo mais com os homens.
Já na terça-feira ele saiu às compras e escolheu cinco bermudas, uma para cada dia do Carnaval, comprou dois tênis novos e seis camisas estampadas e muito coloridas. Na farmácia tratou de pedir desodorante novo, perfume, gel para o cabelo, Epocler para curar ressaca e camisinhas. Passou no cabeleireiro para acertar a crina e fazer uma limpeza de pele e decidiu que faria duas horas de caminhada nos dois dias seguintes, além de ir à sauna do clube para abrir os poros. Queria estar em forma e renovado na sexta-feira. Seria o carnaval dos tempos de solteiro. Ou melhor, de todos os tempos.
Ele estava chegando aos quarenta, naquela famosa idade que dizem ser do lobo. Mas se julgava como um garotão de no máximo trinta anos. Estava vibrando com a vida e sedento de aventuras. Gostava muito da esposa, mas gostava mais de mulher. De mais a mais, acreditava que umas escapulidas não faziam mal a ninguém, quando mais no carnaval. Bandeira branca amor…
Enfim, sexta-feira chegou. O clima na cidade já era de folia, os sorrisos multiplicaram-se, havia cheiro de paquera no ar. Deixou o carro para uma geral no lavador do Robertinho e foi trabalhar. Saiu no final da tarde, passou naquele bar para tomar um chope e brindar a chegada do carnaval. Como combinado, às vinte horas Lúcia apareceu sorridente e sentou-se ao seu lado. Meia hora de conversa e já estava tudo acertado. Iam para a avenida curtir a festa e, lá pelas tantas da madrugada, cairiam no ninho do amor em qualquer lugar deste mundão de cidade.
Entraram no carro e saíram em disparada. Ele parou perto de sua casa e pediu Lúcia para esperá-lo. Era o tempo só de colocar roupa nova: aquela bermuda e a camisa vistosa que comprara, além do tênis para aguentar a gandaia da noite inteira. Era tanta a euforia que nem percebeu as luzes acessas no interior da casa. Só caiu em si quando ouviu a voz da mulher gritando “surpresa” e pulando em seu pescoço. Mal refeito do susto, reconheceu o sogro e a sogra entrando na sala acompanhados do cunhado Alfredo mais a mulher Júnia e os cinco filhos.
– O médico recomendou viagem para distrair a mamãe e resolvemos vir passar o carnaval com você, disse o cunhado.
Vítima de uma repentina enxaqueca, ele caiu de cama e só melhorou na quarta-feira de cinzas. O carro foi encontrado aberto e assaltado no dia seguinte perto de sua casa. A Lúcia ele nunca mais conseguiu ver.
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