Sandra Belchiolina de Castro
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“A liberdade é o espaço que a felicidade precisa”, frase do mineiro Fernando Sabino que carreta um significante histórico-cultural para o povo mineiro. Na semana passada trouxe na crônica “Aleijadinho” a máxima que a bandeira de nosso estado carrega “Libertas Quae Sera tamem”. Já são séculos que estamos às voltas da tal liberdade. Caso ela não possa ser total, pode ser buscada e pensada. Liberdade de quê? Para quê? Significante importante quando pensamos que somos serem singulares e como tal o caminho, rumo é direcionado pelo próprio desejo e respeito com o coletivo.
Na nossa capital Belo Horizonte, estamos também às voltas da nossa Praça da Liberdade. A qual foi projetada no final do século 19 para ser o Centro Administrativo do Governo do Estado. O que ocorreu até 2010 quando o poder público foi transferido para Cidade Administrativa. Fato muito questionado na época, pois as localidades que perdem as funções iniciais podem esvaziar o sentido dado inicialmente ao espaço e sendo alterado posteriormente. Considero que saímos ganhando quando foi transformada no Circuito Liberdade. Atualmente ele é composto por 33 instituições ligadas a arte e cultura. O clima que envolve a Praça da Liberdade pode ser percebido num simplesmente passando por ela. Ali é possível encontrar músicos ambulantes, apresentações artísticas múltiplas, crianças brincando, namorados em chamegos, manifestações por muitas causas. No seu contorno, estão museus e centro culturais. Meu preferido é o CCBB – Centro Cultural do Banco do Brasil, com suas exposições, teatros, shows e cafés. Praça que também recebeu com tristeza o cortejo funeral do nosso Presidente Tancredo Neves, ao som da música Travessia. Esse “coração de estudante” que fez a nação chorar atravessou a alameda da Praça em direção ao Palácio da Liberdade. Sim, tantas Liberdades! Sonhadas e buscadas em Minas – suas Liberdades. Novamente uma nova nação sonhada como o foi desde os Inconfidentes.
Se para Fernando Sabino a “a liberdade é o espaço que a felicidade precisa”, para Guimarães Rosa “água de boa qualidade é como a saúde ou a liberdade, só tem valor quando acaba e prossegue – “porque eu só preciso de pés livres, de mãos dadas e de olhos bem abertos”. Mas Rosa adverte “liberdade – aposto – ainda é só alegria de um pobre caminhozinho, no vão dos ferros de grandes prisões”.
Já na poesia “Liberdade” de Carlos Drummond de Andrade, o poeta contrapõe: O pássaro é livre//na prisão do ar.//O espírito é livre//na prisão do corpo. //Mas livre, bem livre, //é mesmo estar morto.
A música “Ponta de Areia” de Fernando Brant e Milton Nascimento canta a liberdade no caminho em direção ao mar, marcando a destruição da sonhada estrada de ferro Bahia-Minas, que ligava Minas ao mar. A ferrovia percorria de Araçuari, cidade no Vale do Jequitinhonha, norte de Minas à Ponta de Areia no Vale do Mucuri, sul da Bahia. Liberdade para transitar de forma mais apropriada e coletiva – a de trem, entre as montanhas e o mar. Ainda sonhada pelos mineiros.
Milton Nascimento e Lô Borges lançam em 1972 o seu disco Clube da Esquina, momento em que os ideias de Liberdade e fraternidade perpassavam a MPB brasileira. Momento que o povo foi calado pelo AI-5 implantado pelo governo militar. Resumindo: nadica de nada de ter liberdade para falar, cantar e escrever. Lembro-me que cantávamos, sussurrando, algumas letras de músicas consideradas proibidas. Era proibido soltar a voz. Segura! Quem viveu esse momento, sabe o que é isso.
Skank cantando a música Hino dos Melhores lembra do refrão do Hino Nacional: “se o penhor dessa igualdade//Conseguimos conquistar com braço forte, // Em teu seio, ó Liberdade, //Desafia o nosso peito a própria morte.”
A vontade é de continuar discorrendo e divagando com e em Liberdade, palavrinha mágica e que permite significados, sentidos e afetos diversos. Sonhos que vão do particular ao comunitário, do sujeito à nação. Liberdade que inicia sua nomeação no singular e vai além. Assim, falado por Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas:
“O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando.”
“Porque aprender-a-viver é que é o viver, mesmo.
E voltando ao mural fotografado desde a nossa Praça da Liberdade com os disseres de Fernando Sabino: “A liberdade é o espaço que a felicidade precisa” – uma repetição no texto, para não ser esquecida.
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Apresentação de nova escritora:
Raniere Sabará é graduada em Economia pela Universidade Federal de São João Del Rei, pesquisadora na área de estudos de gênero e uma amante incessante por tudo aquilo que vai além do que os olhos conseguem ver. Compositora e multinstrumentista, busca na arte e cultura as possibilidades imprevisíveis de criação do espaço. Seu primeiro texto “Quanto tempo o tempo tem?” vai ao ar hoje, às 14h.