Tive o privilégio de viver e até hoje conviver com elas, que me foram e continuam sendo exemplos de luta e de vida. Duas avós, Venina e Irinéia, que criaram 15 (17 nascidos) e 11 filhos respectivamente. Minha mãe, Maria, teve oito – sou o oitavo e temporão, adoro contar isso – e foi exemplo de compromisso com o trabalho a cada um de nós.
Minhas irmãs, cinco, todas normalistas, seguiram nessa direção ou – até concomitante – em pequenos empreendimentos (culinária, a exemplo da minha mãe que era uma quitandeira de mão cheia) para nosso orgulho. E as duas filhas, a exemplo da mãe de cada uma delas, também comprometidas com suas obrigações pessoais. Estudiosas, ambas, a mais velha agora já formada em dois cursos, tocando sua vida independentemente de mamãe e papai.
Mas não estou aqui para falar delas que convivo e nas quais reconheço todos esses valores. Quero falar de duas amigas, que conheço tem anos, porém nos últimos tempos me revelaram suas histórias de vida. Elas têm tanta coisa em comum, mas nunca se viram. Geisiane Xavier Camilo, 34, e Natália Camargos de Lima Pires, 24, balconistas, baristas, caixas de cafeteria. A primeira do Ah! Bom do Pátio Savassi. A outra do Mr. Cheney do Diamond.
Desde que optei por abandonar o hábito exagerado – maneira sútil de dizer vício – do consumo de álcool me entreguei ao consumo de água mineral e café. Como diria Paulo Roberto de Araújo Santiago, gerente do Mr. Cheney, café desnatado. É, pois a cervejada diária de anos, me deixou como sequela – entre outras – também um refluxo. Então o café, que ele chama de desnatado, na verdade é descafeinado.
Pois que, durante anos, Geisiane e Natália – além de outras parceiras desse trabalho – sempre com o semblante dócil e sereno preparam xicaras ao meu consumo. As duas estão abandonando a função para entrar noutro mercado de trabalho. Nunca imaginei que por detrás daquelas carinhas boas existiam duas mulheres tão fortes e determinadas como se revelaram ao anunciarem suas despedidas. Doravante serão a engenheira Geisiane e a arquiteta Natália.
Em meio a tanta notícia que têm me deprimido nos últimos tempos, desde perdas de amigos tão próximos e a falta de expectativa de nossa situação político/financeira/social avançar, Geisiane e Natália não só me comoveram como devolveram minha esperança e o sonho de dias melhores. Se pessoas que conheço, até proximamente, tivessem essa mesma garra e vontade, seguramente estaríamos vivendo num Brasil melhor.
Geisiane é a mais velha de quatro irmãos, sendo que aos 11 anos teve de assumir a condição de babá dos mais novos, para que pai e mãe pudessem trabalhar. Ela brinca: “minhas bonecas eram minhas irmãs de um e dois anos, com isso eu fazia papinha e dedeira de verdade para elas”.
Formando em agosto, pela FUMEC, ela própria custeou seus estudos que iniciou como Engenharia de Produção e transferiu pra Civil no meio do curso. Contratada pela empresa que estagiou, agora projeta construir sua casa própria para morar com as filhas de 12 e 14 anos, de relacionamento anterior. Com a separação, voltou a morar com os pais e irmãos. Sonha ainda em reformar a casa dos progenitores e um dia poder ir à Paris.
Outra confidência dela. Seus pais diziam que tinham de estudar, mas se referiam ao ensino básico, para saber ler e fazer contas. Depois que foi trabalhar no Ah! Bom, onde completaria 16 anos de serviços prestados, descobriu que existia curso superior e Faculdade. Quanto à opção pela Engenharia, novamente brinca, “eu ajudava meu pai em pequenas reformas de casa, como tirar prumo, peneirar areia e carregar tijolos, pode ter sido aí a influência”.
Natália, moradora da região do Barreiro, ao optar pelo curso de Arquitetura, na UNA-BH, contou com o aporte financeiro do pai para o pagamento das mensalidades escolares. Antes de trabalhar no Mr. Cheney, teve oito meses de experiência como telemarketing. Ficou quatro anos e meio na cafeteria, período que se viu obrigada a viver e promover transformações em sua vida.
Veio morar na região central, num local que facilitasse seu trajeto diário entre o Diamond e a UNA. Trabalhava durante o dia e frequentava aula à noite. Na pandemia, teve de conciliar estágio – em home office – trabalho e escola. Durante esse tempo de mudanças perdeu a mãe, mas seguiu com a mesma vontade de buscar seus sonhos que passam pela profissão de arquiteta.
Já tendo colado grau, sexta-feira passada foi seu último dia de trabalho, e imediatamente já começa como contratada num escritório da área e ainda assina projetos de interior como freelance. Quis saber sobre as razões da opção de curso e ela foi objetiva. “Sempre gostei e observava detalhes nas construções das casas. Comprava móveis antigos e revigorava para meu uso pessoal. Sempre fui muito curiosa com obras e construções”.
Sobre seu futuro, calmamente, disse que quer sempre adquirir novos conhecimentos para o seu desenvolvimento profissional.
Essas duas histórias de vida, que passo parte do que ouvi aqui neste espaço, foram uma dose providencial de energia e reação para a vida e me tiraram do caminho moribundo que vem ameaçando meus tempos recentes.
Obrigado a Geisiane e Natália pela confiança e autorização dessa publicação. Vocês são exemplos que devem e merecem ser seguidos. Fico a imaginar quantas pessoas que convivemos e conversamos diariamente e que têm, assim como essas duas, lições de vida a nos animar. Parabéns as duas amigas, uma engenheira e a outra arquiteta, que reagiram e – orgulhosamente – devem ostentar seus diplomas como troféus.
*fotos: Eduardo de Ávila/Mirante
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