Jorge e Nanci viviam uma vida espartana, porém feliz. Ele, empregado da distribuidora de energia elétrica, ela uma costureira de mão cheia.
Moravam numa casa alugada, no bairro Calafate. Um pequeno alpendre, alcançado por seis degraus. O chão de vermelhão, muito encerado. Embaixo da porta de entrada um capacho a convidar todos a entrar, advertindo que ali era um lar.
Seguia uma sala pequena, com uma janela à esquerda, onde ficava o sofá, com peças de crochê em cada ombro. Nas demais paredes, portas. Uma que levava até a cozinha, outra ao banheiro e uma terceira até um pequeno corredor, que se abria em três quartos.
Na cozinha, uma pequena mesa, com quatro lugares, um filtro de barro, uma pequena geladeira – coisa de gente rica, na época, um fogão, uma pia e um armário de aço. Numa esquina um aparador de panelas. Sobre o fogão, uma prateleira acomodando cinco latas de mantimento, cada uma de um tamanho, com as inscrições arroz, feijão, açúcar, farinha e sal.
Num canto da sala, uma velha máquina de costura Singer, onde Nanci fazia nascer verdadeiras obras de arte. Toda a vizinhança cuidou de espalhar pela cidade a qualidade de seu trabalho, de modo que não lhe faltavam clientes.
Eram casados há doze anos. Tinham quatro filhos, duas meninas e dois meninos. A mais velha com 11 anos, os demais, com diferença de dois anos de um para o outro.
A vida seguia seu curso, com finais de semana felizes, todos dependurados na lotação, aos domingos pela manhã, com destino ao Parque Municipal. Era a alegria da criançada. Cada um aguardava sua vez para um passeio de carroça pelas ruelas do parque. Em seguida era a vez dos pedalinhos. Uma caminhada e a parada para sacos de pipoca, no carrinho do seu Mário. Algumas coloridas, outras branquinhas. Vera, a filha mais nova, era apaixonada pelo plarinê. Abdicava da pipoca em troca daqueles amendoins adocicados.
Se sobrasse algum dinheirinho, lá iam todos eles a fazer pose em frente ao lambe-lambe, e voltavam para casa, já no cair da tarde, com uma linda fotografia em família.
A vida seguia seu curso, até que uma úlcera mal curada fez o papel de cupido ao inverso, e levou pra longe de Jorge a sua querida Nanci. Tempos amargos, com gosto de vazio.
Agora, era o homem e seus quatros filhos, e mais ninguém além da saudade. Mas Jorge seguiu firme, fez questão de manter a vida dos filhos em sua inteireza, mesmo faltando um pedaço enorme.
Jorge trabalhava a semana inteira, mas não deixava, um domingo sequer, de levar os filhos até o Parque Municipal. Demorou alguns meses, mas alegria voltou a ser a mesma. Os filhos cresciam, os passeios ainda eram maravilhosos, alegres, felizes.
Só uma coisa mudava na rotina da família. No final do dia, depois de um domingo feliz, Jorge chegava em casa e tratava de apagar todas as luzes. Os meninos nada entendiam, mas respeitavam aquela mania. O pai colocava na vitrola um disco de Nelson Gonçalves e aumentava o volume, sem se preocupar com os vizinhos. Sentava no sofá e ficava ali, simplesmente ficava.
Todo domingo à noite era a mesma rotina. Os filhos respeitavam aquele momento, mas a curiosidade os levou a perguntar a Sônia, a mais velha, o porquê de tudo aquilo.
– Não se preocupem, está tudo bem! É que o pai prefere manter a casa escura para que a gente não o veja chorando de saudade.
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Os textos de Peter Rossi são sempre tocantes.