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Ponto de ônibus

As minhas pernas já reclamavam daquela exaustiva demora, até que finalmente o ônibus chega. E naquela briga de quem entra primeiro um lugar vazio enche o meu cansaço de alegria.

Esbaforida demoro alguns segundos pra perceber que não estava sozinha, e ao olhar para os lados uma emoção me fez remexer na cadeira.

Não conseguia me desvencilhar daquele olhar azul que parecia refletir no tom da sua gravata, e isso inquietava o suor que timidamente escorria na minha cintura.

Aquela imagem ia se tornando cada vez mais bucólica, e eu perdia a sensibilidade de tudo à minha volta. O medo de ser descoberta excitava o meu coração.

Rezei pra que o meu trajeto se abreviasse, e que eu pudesse sair logo daquele torpor que me dominava completamente. Mas o tempo naquele instante parecia eterno.

Até que um “me desculpe” me tira daquele estado dramático.

Pisei no seu pé.

Não consegui balbuciar uma palavra sequer diante daquele rosto. Mas aquele sorriso podia tudo. Até mesmo pisar no meu pé.

Parecia se divertir deixando escapar alguns gestos de canto de olho, e se colocando cada vez mais ao meu dispor com uma elegância máscula.Talvez pressentindo o meu desconforto em meio àqueles desejos prodígios.

Sem o menor pudor deixava claro a sua cumplicidade com o seu perfume, que penetrava em mim sem pedir licença me deixando em êxtase.

Até que finalmente preciso seguir o meu destino. E meio a contragosto me levanto com um fiozinho de esperança gritando pra que os nossos caminhos fossem o mesmo.

Mas não era.

Ao virar as costas um calor percorreu todo o meu corpo, me abraçando com a destreza de quem sabe aonde quer chegar.

E eu sabia que aquela sensação vinha daquele olhar que talvez estivesse desejando o mesmo que eu. Ou pelo menos algo parecido.

E isso me deixou feliz.

Chegando em casa depois de um banho gelado só consegui pensar naquele ponto de ônibus.

*
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