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Assassinatos em vida

Nunca uma questão havia tirado o sono de Jorge como esta: como matar a mulher com quem dividiu o colchão, o espaço na frente do espelho do banheiro e até mesmo a torrada no café da manhã, ao longo dos últimos cinco anos?

Jorge não fazia ideia de como deveria proceder. Mas sabia que tinha de fazê-lo por uma via rápida, indolor, eficiente e, sobretudo, que não deixasse vestígios. Afinal, já bastavam as marcas que a maldita mulher lhe deixara no coração, assim que pôs os pés para fora de casa, carregando aquela mala enorme, os vasos de plantas e o gato Poe.

A luz que entrou pela janela de manhã bateu na cara de Jorge e, com ela, uma ideia iluminou-lhe a mente. Como não havia pensado nisso antes? Um simples golpe na cabeça, e a mulher cairia no chão do banheiro, onde sangraria até morrer, como morrem as mulheres que escorregam no chão do banheiro, após um banho quente. Um crime perfeito.

Jorge arquitetou o plano, melindrosamente, como se preparasse um jantar romântico para a mulher. Escolheu um bastão pesado, mas curto o suficiente para escondê-lo dentro do paletó. Inventou que precisava entregar-lhe os papéis do divórcio para descobrir o seu paradeiro. Aprendeu a abrir portas com um pedaço de arame no YouTube.

Às oito da noite em ponto, lá estava ele, atrás da porta do banheiro de um quarto de hotel, esperando pela mulher que, ao longo dos últimos cinco anos, sempre tomou banho quente às oito da noite, em ponto.

Como era linda a mulher, e Jorge nunca deixou de amá-la um segundo sequer, nem mesmo agora, pouco antes de matá-la. Seu corpo molhado brilhava sob a luz fria do banheiro. Os cabelos longos aderiam à pele branca, como algas na areia. Seus seios nus eram a visão dos céus, e Jorge teria se excitado se não tivesse pulado na frente dela com o bastão — não este bastão que você está pensando — em riste.

Ela tentou gritar, mas não deu tempo. Jorge sentou o bastão na testa dela, e ela veio ao chão, com aqueles olhões bem abertos de susto, pavor e morte.

Só após aquele assassinato bárbaro, sangrento e premeditado é que Jorge deixou de amar a mulher e pôde, enfim, viver sua vida em paz.

Já Patrícia, enquanto era assassinada pelo seu ex-marido, arrumava as malas para visitar uma prima no interior. Lá ela encontraria um novo alguém. Mas antes, teria de meter três tiros no peito de Jorge e certificar-se de que ele estaria bem morto com um quarto tiro, desta vez, no meio da testa.

Assim verdadeiramente terminam os amores. Com assassinatos em vida.

*
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Guilherme Scarpellini

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Guilherme Scarpellini
Tags: Ficção

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