24 de agosto de 1983. Um homem de chapéu-coco repousa um resto de cigarro na boca, o mesmo que fumava desde as nove da manhã. Ao meio-dia, o sol acerta o centro da sua cabeça como um policial treinado acertaria um tiro no escuro. Ele se arrepia como se um espírito tivesse o atravessado.
Encostado no poste em frente ao Banco do Brasil, acompanha a movimentação. O vai e vem de homens com ternos de alfaiate e mulheres de saias jeans. Acha interessante a modernização das coisas e pensa se um dia seremos tão evoluídos como prometem os “homens de Nova Iorque.”
Não tem muitas pretensões na vida, na verdade, nenhuma. Amou algumas vezes, mas nada que lhe ocupe mais do que alguns segundos na memória. Não tem filhos, embora goste da ideia de passar o sobrenome da família para frente. Sem pai e mãe nesse plano terreno, vez ou outra visita a irmã com um jornal debaixo do braço.
Não era triste, mas gostava de poesia. Escrevia versos e apreciava a ideia de traduzi-los para outras línguas, não que um dia fosse lê-los para uma plateia estrangeira, mas lhe interessava recitá-los para o seu eu anônimo no espelho do banheiro.
A sua existência era comum. Morreria em breve, sabia disso. Pagava seus impostos e comprava pão fresco na padaria todas as manhãs. Por nada querer e nada precisar, sentia graça em comparar a sua vida com a dos que corriam para pegar o bonde andando, e no meio do assunto passavam do ponto que teriam que descer.
Por não ter do que achar graça, ria de si mesmo. Por não conhecer o cinema e concluir que entre picos de alegria e buracos de tristeza a insignificância era o melhor caminho, achava a sua a mais engraçada das histórias.
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Pintura: Paul Cézanne – (1892)