Como toda carta deve e precisa de data, vamos lá: 13 de março de 2022, perto do meio dia de um domingo ensolarado.
Sentado frente ao jardim da Eloíza, quero registrar lembranças e pensamentos para meus netos. Leo, o mais velho, caminha para completar quinze anos, cursa o ensino médio e namora (em casa) com a Maria Alice, que é a soma dos nomes da mãe e da irmã. Alice é minha primeira neta com seus oito anos de idade, estudando, curtindo o tik tok, personalidade forte e reservada. Fecha o trio a Melissa, de três anos de idade e mais de dez de vida, muito inteligente e resolvida. Só a rápida apresentação dos três deve gerar reclamações deles, sem problema.
Na idade do Leo eu acreditava que o mundo acabaria no ano 2.000 como pregavam os mais velhos e não acabou. Herdamos o “passará de mil, mas não chegará a dois mil”. Como nasci após a segunda Guerra Mundial, passei a acreditar que a terceira destruiria o mundo com as bombas atômicas que foram experimentadas em Hiroshi e Nagasaki. O tempo passou e as possibilidades de uma nova guerra ficaram distantes apesar dos conflitos aqui e acolá. Surgiu, então, o que ninguém esperava, um vírus agressivo e silencioso que contagiou todo o planeta e ficou conhecido como Corona, o mesmo nome de uma cerveja muito saborosa. Milhões de pessoas morreram, mais de 600 mil só no Brasil, com o mundo todo usando máscaras e lavando as mãos diariamente com álcool geo.
Vírus controlado, aparece um novo Hitler sem bigode, pele clara e olhos azuis, se achando o dono da razão e chamando todos os países para uma Guerra Mundial com direito a bombas atômicas. É o ditador da Rússia invadindo a Ucrânia, matando adultos e crianças, censurando a imprensa e pregando o ódio em mesa redonda com a mulheres mais lindas que ele mesmo convocou. Putin, “dono” da maior força militar do mundo colocou as tropas nas ruas, mas seus opositores preferiram limitar a reação com medidas econômicas que elevaram os preços dos combustíveis em todo o planeta.
Onde vai parar tudo isto não sabemos. Sabemos apenas que a paz é muito frágil e que seremos sempre vítimas do ódio. Mesmo sem saber onde vai chegar esta guerra aparentemente de um homem só, nos fica a lição maior da vida que é a luta do bem contra o mal. O que levamos desta vida?
Tenho 71 anos e não devo viver mais de dez. Nenhum achismo, teatro ou vitimização. Acho até que já estou no lucro. Fumei trinta anos, saboreio álcool, sou um atleta sempre ausente, diabético, hipertenso, trabalhando há mais de meio século com comunicação e política, além de várias cirurgias e um vírus que me levou à porta do céu. Só não entrei porque Deus me mandou de volta com medo deu fazer política lá em cima. Viver mais de oitenta anos seria uma anomalia na humanidade. A hora que a morte chegar vou numa boa, apesar de contra minha vontade. Não quero velório longo e nem enterro, mas cremação com as cinzas jogadas no rio Santa Bárbara, no que eu considero divisa de Monlevade e Itabira. Uma cachaça honesta e/ou uma cerveja premium marcariam bem o momento, mas aí já são decisões e problemas dos vivos e não meus.
Aprendi tarde, mas a tempo, que sabedoria é morrer melhor do que quando nasceu. Melhor como pessoa, melhor como cidadão, como amigo, como companheiro, como filho e como pai e avô. Tem gente que nasce pobre e morre rico de bens materiais, mas continua pobre como pessoa. Desejando o mal, fazendo o mal, odiando as pessoas, torcendo pelo insucesso e infelicidade dos outros, reduzindo o valor da vida aos poucos metros de sua convivência familiar. Outros morrem remediados financeiramente e sábios pelo aprendizado que a vida ensina e muitos não entendem. Me considero um homem como qualquer outro, com virtudes e defeitos. Melhorei muito e sei que ninguém alcança a perfeição. Tenho consciência de que serei esquecido pela maioria, o que também é absolutamente normal. Quero, no entanto, que as poucas pessoas que lembrarem o façam pelo de bom que consegui fazer ou ser.
Passo dos setenta muito feliz, em paz com a vida e até mesmo com a aproximação da morte. Não desejo mais bens materiais e nem preciso. Quero bons relacionamentos, tolerância, coração batendo e alma lavada, entendendo a naturalidade das diferenças e impressionado com a insignificância de cada um de nós diante do universo. Trabalhei exageradamente a vida toda com carga horária acima de todas as médias e li duas horas por dia toda minha vida madura para compensar minha ausência dos bancos escolares.
Nietzsche disse que a sabedoria é um paradoxo porque o homem que mais sabe é aquele que mais reconhece a vastidão da sua ignorância, enquanto Clarice Lispector afirmou que perdeu muito tempo até aprender que não se guarda as palavras, ou você as fala, as escreve, ou elas te sufocam. Um dia a gente aprende que nada é meu, seu ou nosso. Tudo é emprestado. Porque a única certeza que se tem, é que um dia, mais cedo ou mais tarde, a vida ou a morte vem e nos tira tudo de volta.
No somar das diferenças talvez a razão esteja com Érico Veríssimo, quando ele escreveu que felicidade é e certeza de que nossa vida não está passando inutilmente. Obrigado, vida!
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