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Quinta série

Tais Civitarese

Com frequência, tenho a impressão de que a vida adulta é uma eterna repetição da quinta série.

Picuinhas, inseguranças, disputas, machismos. Tudo isso achei que já estivesse perdido no tempo. Pensei que a fase dos cabelos brancos nos trouxesse desafios mais interessantes. Percebo que não. É tudo sempre mais do mesmo, com cores envernizadas e um pequeno toque de complexidade trazido pelo tempo.

Minha quinta série não foi lá uma época maravilhosa. Coleciono alguns fragmentos de cenas traumáticas na memória . Uma vez, a disciplinária da escola me pegou apertando na mão uma bolinha de chicletes. Ela deu um grito e chamou minha atenção em frente a toda a turma. Morri de vergonha e, de vez em quando, ainda morro até hoje.

Não sei porque tenho essa mania bastante desagradável para os outros – e agradabilíssima para mim – de fazer bolinhas com as coisas e apertá-las continuamente entre os dedos. Massinha, guardanapo, miolo de pão, grão de arroz. Resquícios da grande pianista de dedos fortes que eu queria ser ou apenas esquisitice. Onde é “proibida a entrada de pessoas estranhas” não posso passar…

Noutra ocasião, também na quinta série, participei das olimpíadas do colégio num clube e me esqueci de passar protetor solar. O uniforme era bermuda e fiquei com as panturrilhas ardendo, vermelhas como mangas maduras, após me distrair de costas para o sol durante horas. Isso ainda acontece comigo, mas o sol, neste caso, é a própria vida.

Um professor que tinha sido militar repetia frequentemente a mesma frase: “o ódio tem a incrível capacidade de tornar-se invisível a olho nu”. Era “o óbvio”, não “o ódio”. Isto foi um ato falho. Lembro dessa frase até hoje e ela se provou ser nos dois sentidos verdadeira.

Também na quinta, na aula de biologia, um menino muito feio disse para mim e para minhas amigas que jamais sofreríamos metamorfose. Hoje estamos bonitas e dele nunca mais tive notícias, pois não me interesso.

Por fim, tive um bilhete para uma amiga interceptado e lido para toda a sala. Tirei minha primeira nota baixa. Tinha uma obsessão terrível em esconder, por timidez, o sutiã que comecei a usar naquela época. Nada de novo. Eu não disse?

É um eterno repetir e reeditar, até que se fique satisfeito com alguns desfechos. Para outros, no entanto, jamais haverá recuperação…

*
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