Tais Civitarese
Não sei que mistura explosiva foi essa que aconteceu entre a religião e minha mente. Só sei que desde muito nova, levei ao pé da letra algumas coisas que ouvia na igreja. Entre elas, o fato de ter que pedir perdão a Deus toda semana por meus crimes e de sentir sempre muita culpa.
Freud explicaria tudo isso de forma diferente e Lacan também (mas eu não entenderia nada…).
Então, procuro interpretar o que houve como fruto de uma cabeça imatura e de um contato intenso e frequente com o catolicismo.
O que sei é que cresci me sentindo eternamente equivocada em muitos de meus “atos e omissões”. E, ao fim do dia, o sentimento primordial em mim era sempre o de muita culpa. Culpa por ser feliz e por ser triste. Culpa por jogar fora o resto de comida do prato. Culpa por falhar. Culpa por ter sucesso (sendo que outra pessoa também queria aquele posto). Tanta culpa, tanta culpa que um dia ela transbordou de mim e dei um basta.
Parece exagero, mas infelizmente não é. A culpa me acompanhou como uma guardiã durante muito tempo. Ela guiava meus atos. Às vezes, eu achava que sentia amor e era apenas ela. Noutras, sentia raiva e ela não me deixava dar vazão. Quando extravasava, ela devorava meu cérebro avidamente, como se comem biscoitinhos crocantes. E me fazia retornar a ela e tolher quase tudo que eu tinha para oferecer pro mundo.
A culpa – para permanecer no tema – não é apenas da religião. Sei que a cama da neurose já estava preparada em minha cabeça, à espera de seu hóspede. Ela apenas veio e aportou. Porém, sei também que esse sentimento conflituoso e tolhedor me impediu muitas vezes de existir. De ser criança, de ser adolescente, de ser alegre. Ele me prendeu em um loop de pensamentos insolúveis e intermináveis e paralisou todos os meus músculos por tantas vezes.
Por isso, hoje tenho muita cautela ao explicar sobre a religião para os meus filhos. Até o dado momento, não quero que eles frequentem o catecismo ou que façam a primeira comunhão. Quero que conheçam a história de Jesus, mas não quero que, como eu, corram o risco de terem suas mentes absortas em conflitos tão complexos sendo tão jovens.
Atualmente, relendo alguns textos religiosos, percebo que boa parte dessa interpretação danosa que tive teve o viés de uma pré-interpretação feita por terceiros. Então, concluo que na maturidade adequada, é quando se deve ler e concluir como se quer relacionar com a espiritualidade e com Deus.
Foi muito difícil me libertar dessa carga tão pesada que habitou minha mente por anos. Que esse comboio siga por outras estradas e encontre minhas crianças quando já não o forem mais.