Tocada pelo Oscar e suas polêmicas sobre o que é ou não violência – o que é mais violento: o deboche sobre a doença de uma mulher ou o tapa desferido pelo seu marido no autor da piada? –, me lembrei deste texto que escrevi alguns anos atrás sobre o filme “O Coringa”.
Aclamada no Festival de Veneza, de onde saiu com um Leão de Ouro, a película na época enfrentou duras críticas nos EUA, sob a acusação de incitação à violência e apoio aos atos criminosos que aconteciam também fora das telas. Tão logo a fita estreou no Brasil, eu fui assistir. Não achei que incitava a violência. Tampouco que justificava atos injustificáveis. Mas não nego que seja profundamente incômoda porque nos obriga a olhar para a violência desde a sua origem. O filme nos apresenta um vilão incomodamente humano, demasiado humano (perdoe a citação infame, Nietzche).
Mais que um palhaço assassino, o arqui-inimigo do Batman, é uma criatura profundamente atormentada. Seu riso não tem graça nem alegria. Sua vida é uma piada de péssimo gosto.
“Faça uma cara feliz.”
A frase é uma ordem dada ao palhaço, sofredor desde que se entende por gente.
“Sorria.” Ele repete a si mesmo, convencido de que deve levar adiante a ingrata missão de oferecer alegria ao mundo, ainda que se sinta frequentemente tratado com desprezo e violência.
Por algum motivo, a gargalhada neurótica, que o próprio personagem anuncia ao mundo como doença, e a insistência na alegria como obrigação imposta a quem foi proibido de compreender a própria dor, me lembrou essa positividade que tentamos nos impor, ainda que não sejamos capazes de acreditar na sua verdade.
Atormentado, entre outras coisas, por uma risada sobre qual sente que não exerce nenhum controle, o palhaço vilão não encontra escuta nem na terapia imposta pelo serviço social. Sem qualquer tipo de acolhimento para as dores que aprendeu a sufocar sob uma cara feliz, ele vê a sombra se impor à luminosidade obrigatória do sorriso de modo sarcástico.
E a sombra, quando sufocada, se impõe de forma gigantesca e violenta. O sofrimento existe, quer você queira ou não olhar para ele. E é por isso que é melhor olhar, acolher e arrumar um lugar para alojá-lo dentro de si. Se houver espaço para as lágrimas e as caras tristes, o sorriso pode brotar da luminosidade que só se faz presente por causa da sombra. Não será necessário pintá-lo com tinta… ou com sangue.
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