“Aproveitando o Dia Internacional da Mulher e de olho nas eleições presidenciais do ano que vem, Bolsonaro assinou decreto autorizando a distribuição gratuita de absorventes femininos. Esse programa irá beneficiar 3, 6 milhões de mulheres em situação de vulnerabilidade”. O texto abaixo foi escrito por ocasião do veto, em 07 outubro de 2021).
Senhor presidente,
Inegavelmente, o senhor pertenceu, durante toda sua vida, a um universo predominantemente masculino. Pai, irmãos, tios, primos, amigos, depois filhos, militares, vereadores, deputados, senadores, ministros, assessores & cia. Talvez por isso o senhor não entenda nada sobre menstruação. Como quase nada lhe interessa, não creio que tenha conversado com suas mulheres. Como não possui o hábito da leitura, certamente quase nada leu a respeito. Enfim, é pouco provável que tenha se informado. O senhor precisa opinar e decidir sobre bases bem fundamentadas, é isto que se espera de um presidente. O mínimo que se espera de quem foi majoritariamente eleito pelo povo.
O senhor talvez não saiba, mas as meninas – independente do nível social, – menstruam. Sangram. E cada vez mais cedo. Aos onze anos já padecem de TPM, sentem cólicas fortíssimas, precisam colocar bolsa de água quente e se possível, analgésicos por via oral e, nos casos mais graves, injetáveis.
O senhor não pode imaginar o que é sentir escorrendo perna abaixo aquele líquido viscoso que a tudo colore de vermelho. É nojento, sabia? E fede, cheira mal, por isto é preciso que as jovens sejam orientadas sobre o uso correto e a troca dos absorventes, acompanhada por banhos localizados. Várias vezes ao longo do dia. É muito desagradável. Na grande maioria, a duração é de três dias podendo ser mais curta ou ainda mais longa. Sempre desagradável, uma pasta que se liquefaz quando sai do seu local de armazenamento. E desce, escorre, sangue que literalmente, jorra. Um nojo, senhor presidente, um nojo.
Imagine, senhor presidente, as presidiárias. Ainda bem que se encontram confinadas, não precisam trabalhar, nem sair da prisão. O mau cheiro deve ser insuportável, mas acredito que muitos familiares lhes socorrem fornecendo absorventes, sejam eles descartáveis, toalhinhas de pano, absorventes internos, mas capazes de segurar a enxurrada de sangue que desce, todos os meses.
As moradoras de rua vivem situação semelhante. Sempre imundas, cheirando mal, se virando com jornais e panos velhos para forrarem suas calcinhas. Água pra banho? Onde? Acredite senhor presidente, não é fácil.
Pensando nestas mulheres, me vem à cabeça outra situação igualmente penosa: as refugiadas. Senhor presidente, imagine, uma jovem mulher, seu marido e seu filho. Todos sem ter o que comer, sem ter onde dormir, sem roupas pra trocar, sem poder se lavar, e ela, além de tudo isto, sangra. Sangra todos os meses, por três, quatro, cinco dias. Não consigo imaginar situação pior, o senhor consegue?
E as moradoras do Afeganistão e de outros países em guerra? A rotina destas mulheres é de fazer dó. Não têm nada de nada: nada pra comer, nada pra beber, nada pra vestir, sem ter onde dormir, sem ter onde se lavar, bombas caindo o tempo todo. As cidades em ruínas, medo, terror, a morte sempre por perto. Já pensou, senhor presidente, quanto sofrimento?
No Brasil, nem tudo se mostra diferente. As meninas de baixa renda não podem comprar absorventes. Sendo assim, não podem sair de casa. Não vão à escola, perdem aulas, porque não podem sangrar nos bancos sem que todos os outros alunos notem e riam delas. Reportagens feitas em cidades de extrema pobreza nos informam que as mulheres locais usam jornais velhos, dentro da calcinha e miolo de pão, dentro da xoxota, tentando minimizar o estrago do sangue que escorre sem parar. O senhor não faz a mínima ideia do que seja isto, não pode mesmo sequer imaginar.
É muito triste. É triste demais e lamento profundamente que nenhuma energia feminina tenha se aproximado do senhor, levando-o à uma melhor reflexão. Merecia, senhor presidente. Merecia. Era uma oportunidade ímpar de mostrar que, apesar de todas as limitações e defeitos (que não são poucos), o senhor poderia ter um pingo de compaixão por estas meninas-mulheres. Ser um pouco mais caridoso, como apregoa tanto o seu inconsistente e cínico lado evangélico. Poderia ter desenvolvido uma empatia, claramente direcionada a um problema tão relevante. Quem sabe ainda haja tempo pra refletir melhor?
Neste caos que nos envolve, com tudo de pior nos acontecendo simultaneamente, uma aprovação deste projeto, partindo do senhor, poderia em parte, nos aliviar da carga tão pesada que tivemos, estamos tendo e ainda teremos pela frente. Dias ainda mais sombrios esperam por nós e o senhor, melhor que ninguém sabe (?) disto.
É uma pena, senhor presidente, uma pena. E lamentável, profundamente lamentável!
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