MediAna

Leo Paixão

Ana não era uma pessoa de grandes polêmicas na vida. No ensino médio foi uma aluna mediana, tocava teclado minimamente bem. Fazia os esportes necessários para não se destacar muito, positiva ou negativamente na Educação Física. Frequentava a igreja domingo sim, domingo não, para que não fosse considerada assídua, porém tampouco queria parecer infiel. Seu cabelo não era longo, tampouco curto. Nem liso, nem anelado. Era castanho médio. Estatura média, nem gorda, nem magra.

Desde criança comeu quase tudo. Às vezes não comia algo que se esperava que crianças não comessem, como azeitonas, por exemplo, apesar de adora-las, pois achava que isso chamaria muito a atenção à criança de preferências exóticas.

Chegou a frequentar samba, rock, pagode, trance, metal, jazz e mpb. O tom de pele intermediário e as roupas de cores neutras, faziam com que Ana dissolvia-se perfeitamente em toda sorte de multidão. Vez ou outra tirava um cochilo no canto de uma festa, discretamente. Nunca dançava além do que se esperava. Muito menos aquém. Teve alguns namoradinhos, nenhum muito sério. Quando sofreu, o fez calada, para não despertar compaixão e, consequentemente, a atenção de outrem. Da adolescência para a universidade, ainda sentia-se na necessidade de desempenhar um papel social que não chamasse muito a atenção.

Até no nome, Ana era absolutamente normal. Com um nome tão curto, não tinha apelidos. Formou-se em administração em uma faculdade barata, estagiou em uma grande multinacional e passou em um concurso público razoável, onde trabalhou, burocraticamente, toda sua vida.

A saúde de Ana era boa. Fazia exercícios simples, regularmente. Nunca teve uma doença muito grave. Casou-se com um contador que jogava futebol com os amigos aos domingos, com quem teve um casal de filhos. Ana nunca foi feia. Porém, jamais chamou a atenção.

Certa tarde de domingo encontrava-se em uma pizzaria com seu marido e filhos. De cardápio em mãos, leu a descrição de um coquetel: Bloody Mary. Suco de tomate, vodka, pimenta, molho inglês e gelo. Olhou para seu marido. Ele tomava um chope médio. Os filhos, limonada. Olhou para o bar e um homem tatuado sacudia uma coqueteleira, vigorosamente, com ambas as mãos. Ana imaginou se havia um Bloody Mary ali dentro.

Caipivodka.

Tomada por coragem, Ana pediu o coquetel. O barman tatuado buscou no estoque uma garrafa empoeirada de suco de tomate. Sal, pimenta do reino, limão, tabasco, molho inglês, vodka e o suco. Gelo e sacode. Vira tudo em um copo com mais gelo, coando os gelos em triturados pelo sacolejo. Guarnece com um grande e frondoso galho de salsão. O garçom coloca na bandeja e caminha em direção a ela. Entrega o coquetel, vermelho e verde, enquanto todos no estabelecimento observam Ana como a um animal se alimentando no zoológico. Ela odeia isso. Porém, logo no primeiro gole esquece de tudo. O sabor do estranho, o diferente, toma toda sua atenção. Salgado, gelado, picante e azedinho. Era simplesmente delicioso. E ali, mesmo com todos os curiosos a observando, Ana finalmente, pela primeira vez em sua vida, sentiu como se não existisse.

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