Reprodução/Pixabay

Os eventos narrados a seguir não ocuparam mais que um minuto do meu despertar no meio da noite. No entanto, o aperto e aflição que a lembrança daqueles segundos provoca em mim até hoje certamente me acompanharão pelo resto da vida.

Era meia-noite quando eu, enrolado no edredom, escutei os peculiares estalidos provocados pelas unhas do gato no piso de madeira do corredor. Poxa vida, Poe está brincando de caçar presas imaginárias de novo!, pensei.

Virei para o lado, indiferente, mas o ruído evoluiu para rugidos de um pequeno leão. Gatos, quem os conhecem, não os subestimam. Como eu conheço Poe desde filhote — e a fera em que ele se transforma todas as noites —, fechei os olhos e tentei voltar a dormir.

Até que um estrondo me deixou de olhos estatelados.

Pela força do barulho, o gato estava pulando a uma altura de pelo menos um metro do chão. Os baques na madeira corrida, um após o outro, lembravam os passos de um homem, o que me provocou arrepios.

Não ousei a me levantar, apenas chamei pelo seu nome em tom de reprovação, e o barulho imediatamente cessou.

Para tornar-se ainda mais assustador.

Em resposta ao meu chamado, um silvo estridente veio do escuro do corredor. Poe, quando está caçando (ou, melhor, quando pensa que está caçando), mia de um jeito diferente. Daquela maneira, todavia, ele jamais havia feito. Eu teria dado risada se não fosse meia-noite e se eu não estivesse sozinho em uma casa tão grande.

(E se um frio na barriga não começasse a me consumir).

Somado àquele som agudo e bizarro, feito o choro do bebê de Rosemary, que crescia à medida que eu tentava compreendê-lo, ouvi um ronrom na altura dos meus pés.

Arqueei as costas e, no escuro do quarto, tateei uma bola de pelos na ponta da cama. Era Poe, que, a todo o momento esteve ali, dormindo, tranquilamente, aos meus pés.

Então soltei um grito de terror.

Guilherme Scarpellini

Share
Published by
Guilherme Scarpellini
Tags: Ficção

Recent Posts

Ainda pouca mas bendita chuva

Eduardo de Ávila Depois de cinco meses sem uma gota de água vinda do céu,…

7 horas ago

A vida pelo retrovisor

Silvia Ribeiro Tenho a sensação de estar vendo a vida pelo retrovisor. O tempo passa…

1 dia ago

É preciso comemorar

Mário Sérgio No dia 24 de outubro, quinta-feira, foi comemorado o Dia Mundial de Combate…

2 dias ago

Mãe

Rosangela Maluf Ah, bem que você poderia ter ficado mais um pouco; só um pouquinho…

2 dias ago

Calma que vai piorar

Tadeu Duarte tadeu.ufmg@gmail.com Depois que publiquei dois textos com a seleção de manchetes que escandalizam…

3 dias ago

Mercados Tailandeses

Wander Aguiar Para nós, brasileiros, a Tailândia geralmente está associada às suas praias de águas…

4 dias ago