Os eventos narrados a seguir não ocuparam mais que um minuto do meu despertar no meio da noite. No entanto, o aperto e aflição que a lembrança daqueles segundos provoca em mim até hoje certamente me acompanharão pelo resto da vida.
Era meia-noite quando eu, enrolado no edredom, escutei os peculiares estalidos provocados pelas unhas do gato no piso de madeira do corredor. Poxa vida, Poe está brincando de caçar presas imaginárias de novo!, pensei.
Virei para o lado, indiferente, mas o ruído evoluiu para rugidos de um pequeno leão. Gatos, quem os conhecem, não os subestimam. Como eu conheço Poe desde filhote — e a fera em que ele se transforma todas as noites —, fechei os olhos e tentei voltar a dormir.
Até que um estrondo me deixou de olhos estatelados.
Pela força do barulho, o gato estava pulando a uma altura de pelo menos um metro do chão. Os baques na madeira corrida, um após o outro, lembravam os passos de um homem, o que me provocou arrepios.
Não ousei a me levantar, apenas chamei pelo seu nome em tom de reprovação, e o barulho imediatamente cessou.
Para tornar-se ainda mais assustador.
Em resposta ao meu chamado, um silvo estridente veio do escuro do corredor. Poe, quando está caçando (ou, melhor, quando pensa que está caçando), mia de um jeito diferente. Daquela maneira, todavia, ele jamais havia feito. Eu teria dado risada se não fosse meia-noite e se eu não estivesse sozinho em uma casa tão grande.
(E se um frio na barriga não começasse a me consumir).
Somado àquele som agudo e bizarro, feito o choro do bebê de Rosemary, que crescia à medida que eu tentava compreendê-lo, ouvi um ronrom na altura dos meus pés.
Arqueei as costas e, no escuro do quarto, tateei uma bola de pelos na ponta da cama. Era Poe, que, a todo o momento esteve ali, dormindo, tranquilamente, aos meus pés.
Então soltei um grito de terror.