– Casa comigo? – Vicente propôs precocemente, logo nos primeiros encontros com Bia.
– Humm. Acho que não – hesitou. – Não tem nada a ver com você ou com nossa linda relação. É que se eu me casar com você, não poderei me casar com mais ninguém – completou meio arrogante e ingenuamente, sem se dar conta que seu coração já estava definitivamente fisgado.
Vicente assustou-se com tamanha sinceridade, o que fez com que sua admiração pela namorada crescesse. Ele não se chateou. Já tinha levado tantos “nãos”.
E, especificamente naquele momento, ainda estava anestesiado com último e irreversível “não” que tinha recebido da vida. Mas disparou à queima roupa, sem pensar muito, numa sutil insistência:
– Sabe, Bia, é que se eu morrer, ninguém terá a minha pensão.
– Cruzes! E eu lá quero me casar para enviuvar logo em seguida?
Houve um breve silêncio entre eles, mas nenhum mal estar. Era incrível o campo de compreensão e de cumplicidade que se instaurava quando estavam juntos.
Os corações de ambos serenavam. Era uma naturalidade que não precisava de palavras, a comunicação se estabelecia no olhar.
E o namoro continuou. Viajaram. Descobriram afinidades. Perderam-se de si mesmos, se encontraram um no outro. Mais se conheciam, mais se gostavam.
A segunda tentativa veio quase um ano depois, quando retornavam de uma viagem que fez as vezes de lua de mel. Bia retornaria para a cidade natal.
Vicente, desbravador que era, continuaria o passeio por mais duas semanas. A despedida, ocorrida na saguão do aeroporto, foi dolorida, com direito a beijos e lágrimas, como é a de todos os amantes.
Ele embarcou enquanto ela esperava sua conexão. O pedido veio em forma de mensagem escrita no telefone de Bia:
– Oi, Bia. Embarcado! Estava no banheiro do aeroporto por causa de problemas gastrointestinais que me acometeram após o fish and chips e estive pensando… Tivemos dias maravilhosos nas férias. Você é ouro em pó! Fomos feitos um para o outro. Casa comigo?
– Ish, mas que pedido desarrazoado é este? Cadê o romantismo? Eu não aceito pedido de casamento que tem um piriri gangorra como fonte de inspiração – desdenhou Bia, internamente vaidosa e enaltecida. – Olhe, se quiser casar comigo, da próxima vez siga o padrão. Compre um anel, me leve para jantar e se ajoelhe na hora da sobremesa.
Desta vez, apesar de ter se acostumando com a sinceridade explícita de Bia, Vicente se frustrou. A anestesia do penúltimo “não” tinha enfraquecido. E, ademais, não era homem de seguir padrões. Ainda mais nos assuntos do coração.
Sentiu um fio de desapontamento. Na sua imaginação, não teria erro. Pegaria Bia de surpresa, envolvida pelas emoções da viagem. Ela não recuaria. Mas aquela mulher era especial. E surpreendente.
Houve ainda uma terceira tentativa, poucos meses antes da separação, um pouco antes de descobrirem que as pequenas diferenças estavam se tornando colossais, muito maior que a vastidão do amor pode suportar.
Deitados na cama, entre o relaxamento depois do sexo e a sonolência da noite, Vicente envolveu Bia nos braços e suplicou:
– Casa comigo?
Desta vez não houve resposta, só um incômodo silêncio e uma pequena lágrima que escorreu no canto do olho esquerdo.
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