Naquela lanchonete, o jovem entra esbaforido. Acabara de descer do ônibus. Fora uma longa viagem, queria uma água gelada e também ir ao banheiro. A porta, daquelas automáticas, dividiu-se em duas e uma galeria de cores se abriu. Geladeiras de refrigerantes, pilhas de salgadinhos, uma balconista sonolenta e no fundo, sentado na última mesa, um velho. Barba descuidada e olhar opaco. Girava uma pequena colher dentro da xícara de café já vazia, perdido em seus pensamentos, ou na ausência deles.
O menino comprou a água e bebeu num gole só. Pediu a chave do banheiro e foi. Quando de lá voltava reparou, efetivamente, no velho sentado na última mesa, cabeça baixa, a girar a colherinha.
O velho permanecia quieto, a espera da dádiva da ultrapassagem dos minutos. Um passageiro errante de um mundo distante, a esperar pela quietude do dia.
O menino, ao olhar o velho, pensou em como deveria ser ruim envelhecer. Como ele consegue se agasalhar naquela carcaça? Como o ser humano caminha para a descaracterização. Ficou a imaginar como seria o rosto do homem quando moço. Não conseguiu fazer o retrato falado em sua mente. A imagem atual era tão grotesca a desafiadora que não conseguia pensar em outra coisa.
Absorto, não percebeu o jovem que o senhor passou a lhe encarar, também. Ele se dava conta do quanto estava esgarçado, tinha consciência do seu aspecto físico, mas teimava em mirar o menino, e com um certo prazer em naquele momento ver o futuro da degeneração.
Como é triste ver o encontro do velho e do novo!
Alguns minutos se passaram. O menino tencionava desviar o olhar, mas simplesmente não conseguia. Aquela imagem decrépita o magnetizava. Por um instante pensou em se dirigir a ele e perguntar simplesmente como via as coisas em seu entorno, apostando que por trás da pele enrugada se escondiam pingos de sabedoria. Mas, ao fitar o velho calado, calado ficava …
Mal sabia o jovem que também o velho estava ansioso em perguntar-lhe qual seria a sua esperança, quais seriam seus projetos de vida. Diante da indecisão do olhar do menino, indeciso também ficava.
Não seria então uma simples troca de emoções? Um espelho transverso em que um, olhando o outro, se viam, contudo, vindo de direções opostas?
O menino estufou o peito, tomou coragem e sentou à mesa. Questionou ao velho, não lhe dando oportunidade de baixar os olhos, no que pensava, o que lhe movia a continuar vivo.
O senhor de barba por fazer, entretanto, não se mostrara receptivo. Ficou assustado com o impulso do menino. Queria ele – cabia a ele – o papel de tomar a iniciativa. Mais uma vez perdera a oportunidade. A vida passava à frente dos seus olhos atrás da catarata, e as oportunidades deixadas à beira da estrada. Não teve a mesma coragem. Pensou em Quixote, que lera anos atrás, e se deu conta que era também um cavaleiro andante a imaginar um mundo completamente diferente do que viveu.
O jovem, nesse momento, já sentindo um apreço por aquela figura sombria, mesclado à curiosidade que a tenra idade faz sair pelos poros, abriu seus braços e trouxe para junto de si aquele corpo lânguido, esquálido. Numa troca intensa de calor, entretanto, achou resposta a todas as suas perguntas.
O velho sorriu um dente amarelo de nicotina e pudor. Sentira ele também todas aquelas emoções.
Nada mais foi preciso. O menino se levantou, sem sequer olhar para trás e se dirigiu até a porta que, dadivosa, se abriu para que saísse. O velho, do lado de dentro da lanchonete, ainda sentado à mesma mesa continuou a olhar o tempo, o céu, e o menino a desaparecer na distância. Em seguida, perdido em seus pensamentos ou por um instante refletindo sobre o que acabara de acontecer, continuou a girar a colherinha, na xícara de café vazia.
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Uma leitura de um texto as 9 horas da manhã, é melhor do que tomar 1 café. Gosto muito desses textos. Como já estou igual ao velho, porém, com a barba bem feita, viajando no garoto de porte físico firme, fazendo-o lembrar que também já teve aquela idade. Muito bom. parabéns pela sua escrita e criatividade.