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Palavras antigas

Peter Rossi

Mais um dia procurando o que fazer e encismado ao lembrar das risadas de um jovem com quem cruzei numa loja em um shopping, assustadíssimo ao me ouvir perguntar se havia ali algum lugar para tirar retrato, me peguei a recordar palavras antigas e o pouco ou nenhum significado que hoje possuem.

São expressões agora soando engraçadíssimas, ou mesmo assustadoras, mas que povoaram nossas discussões e falas cotidianas. 

Retrato é um bom exemplo: significa, ou pelo menos significava, fotografia. A ideia era passar a noção de que determinado momento ficaria eternizado, retratado, como um desenho, seu predecessor desde a antiguidade. Me pergunto porque não se usa mais o termo “retrato”. Não percebo nele qualquer ar de antipatia ou dificuldade na pronúncia ou na grafia. Posso entender que fotografia tenha encolhido na pressa dos tempos modernos, redundando em foto – uma abreviatura, mas ignorar o retrato não faz qualquer sentido. Enfim…

Outro termo que anda bastante sumido é pirilampo. Se lembram a que me refiro? Tenho a certeza de que a maioria não! Pois bem, pirilampo é aquele bichinho que acende uma luzinha no bumbum e, de noite, pisca que nem estrela. Ah, o vagalume. Isso mesmo! Vagalume passa bem a ideia do inseto: um facho de luz que fica vagando no escuro. Agora, pirilampo, faça-me o favor! Tinha que desaparecer mesmo.

Sigo me lembrando de outras palavras. Riso fácil em minha memória! Me lembro, quando criança, que as mocinhas atiradas eram chamadas de sirigaitas! Inacreditável! Como imaginar que faz sentido a união do instrumento musical com o crustáceo. E, ainda que nas mais inesquecíveis fábulas existisse um siri tocando gaita, qual o sentido da união dos termos? Essa é outra que merece mesmo, em tempos tão pragmáticos, ser descartada na lata do lixo da gramática, exonerada dos dicionários.

Mas a farra não para por aí. Minha memória me lembra que quando alguém era muito bom no que fazia, a ele nos referíamos como supimpa! Vejam só, por mais que me esforço, não consigo fazer mínima conexão de racionalidade entre a palavra em si e a ideia que tenciona exprimir. Dizer supimpa hoje é o mesmo que passar o dia em silêncio, essa é a mais pura verdade. Mas, convenhamos, é extremamente melódica a palavra. Pronunciem pausadamente – su pim pa. Ela tem ritmo!

Uma palavra muito popular, hoje esquecida completamente, em verso e em prosa – é automóvel! Confesso a vocês que tenho um amigo que até hoje se refere ao carro dessa maneira, o que muito me diverte. Um amigo querido que mantém o forro do tempo a descoberto, como a não se permitir esquecer que o passado também é bom. Um sábio. Fato é que trouxemos da língua inglesa e colocamos um pigarro alemão no final, criando a palavra carro. A ideia é a mesma: quatro rodas, bancos, volante e outras centenas de componentes. Se por um lado foram mais românticos os automóveis, certo que hoje são mais lépidos e fagueiros os carros! Opa! Acabei por dizer, sem a mínima intenção, mais duas palavrinhas que não se descolaram do passado. Essas, deixo a vocês o trabalho de procurar no dicionário, mas sejam espertos e rápidos…

Antigamente não era dado empurrar as pessoas. Não se falava empurrão. O termo era outro: safanão! Confesso que a palavra usualmente adotada, apesar de mais ríspida, é mais simpática. Safanão passa mais a ideia de que alguém não se salvará em razão de uma má ação.

Já cueca, acho um termo horrível, e me permito aqui a não dividi-la em sílabas. O resultado, por mais óbvio que seja, não é conveniente nem agradável. Mas cá entre nós, vestir ceroula é muito, não é? Que coisa horrível. Nas hipóteses que ora avento, o passado e o futuro estão juntos no mais absoluto mau gosto.

Bacana é outro termo meio esquecido. Nós, cinquentões, vez ou outra utilizamos, mas os mais jovens, na maioria das vezes, não nos entendem. Queremos dizer que bacana é um cara legal (outro termo meio anos setenta), nos esquecendo que a origem da palavra vem dos bacanais, as festas do Deus do Vinho, regadas a orgias e permissividade. O sentido se perdeu ao longo dos anos, mas bacana continua sendo uma palavra … bacana.

Outro termo que não consigo entender é careta. Esse mudou completamente de significado. Quando criança, careta significava nada mais nada menos que uma cara feia, propositadamente postada. Depois, careta passou a significar uma pessoa fora de moda, avessa às modernidades. Hoje careta não significa mais nada, esboroou-se!

Uma palavrinha muito utilizada antigamente traz em si um significado literal. Falo de dondoca, aquela menina chata e vazia, que só se preocupa com coisas fúteis. Pensem comigo: dondoca, ou seja, dona de coisa oca! Sensacional, não é mesmo? Acho que devemos fazer um plebiscito gramatical e tentar reviver o termo.

Poderia aqui continuar falando de lorota, patota, pindaíba, batuta, serelepe, enfim, de dezenas de outros termos até então afagados por nosso idioma que, ultimamente, os ignora por completo, e sem qualquer razão. As palavras que mencionei, sobretudo essas últimas, são sonoras, têm ritmo, instigam nossas cordas vocais a pronuncia-las, mas estão condenadas às páginas dos velhos e empoeirados livros.

Essa história é apenas uma brincadeira. Como passa o tempo e carrega com ele alguns usos, costumes e palavras, passo apenas para lembrar que o novo tomou o lugar. Quem foi ao vento, perdeu o assento, diz o dito popular.

Com a vida é mesmo assim. Um pouquinho só que descuidamos, e nossos sentidos são levados a pensar que só o futuro interessa. O passado passou e, no presente, estamos projetando o que fazer no minuto seguinte. Enfim, uma overdose de dúvidas que nenhum laxante moral dará conta de resolver. Expurgamos nossas ideias como se não nos tivessem antes deixado felizes. Delas nos esquecemos pela pura conveniência a que nos submetemos de estar com os olhos sempre ao norte. Uma bobagem! Nosso passado é quem recebe o peso do que hoje somos. São dezenas de quilos de entulhos os mais diversos, desperdiçados e substituídos, para que novas ideias preencham o nosso imaginário.

Não podemos nos esquecer, entretanto, que esse verdadeiro estuário é o que nos move, ainda que muitas vezes não tenhamos percebido. Precisamos desse alicerce. Ele, se não nos catapulta, pelo menos nos recebe quando estatelamos no chão, após um impensado salto mal dado.

Não consigo absorver a ideia de que a conjuntura nos obriga a outros enfrentamentos. Penso que o correto é trazer dentro de nós toda essa bagagem e dela se utilizar como um canivete suíço, a resolver ou mitigar nossos problemas. O impasse, entretanto, permanece, pois, manejar um canivete é algo que não se ensina na escola. Os conhecimentos são descartáveis, se prestam ao próximo exame e, na saída, são acomodados em sacolinhas plásticas e deixados na lixeira mais próxima.

O perigo é quando essa melancolia, essa moléstia, contaminar os sentimentos. Temos, a todo custo, que evitar que esse mal se espalhe. Sentir é o que nos move. Do contrário seremos marionetes de nós mesmos, a nos enganar em cada esquina, correndo de nossa própria sombra.

Sejamos sóbrios, felizes e suficientemente independentes para entender que determinada mobília pode não mais caber na casa, mas a casa nunca poderá deixar de ser um lar. Do contrário, os valores, absolutamente invertidos, fazem do fim o começo. E, convenhamos, começar do final é absolutamente sem graça!

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