O tal GPS ainda não existia. Posso até garantir que sequer fora imaginado. Na minha pequena cidade, entretanto, um riacho cuidava de dar a direção a todos, serpenteando ao lado de uma estradinha de terra batida, ladeando cercas vivas que, por sua vez, escondiam casas invariavelmente brancas, algumas com barrados em azul, outras em verde. O Rego Grande.
Nos barrancos existentes na outra margem, contrária à estradinha de chão, avencas e samambaias viviam felizes para sempre, muito verdes, respirando aquele ar sempre úmido e limpo.
Além de mostrar o caminho, o Rego Grande era também a referência a encurtar distâncias. “Siga o Rego até a Peneira e você chegará ao seu destino.” Peneira? Como assim?
É verdade em uma de suas extremidades, o Rego Grande chegava até a Paneira, um lugar em que sobre vergalhões o riacho cuidava de se esconder. A partir dali não era mais visto. Existia uma cerca, na minha infância, que demarcava o suposto fim. O Rego Grande simplesmente sumia. Menino, não me preocupava com nada disso. Afinal, onde foi parar o riacho?
Na outra ponta da estrada, a vida do Rego Grande terminava numa construção de tijolos marrons e muitos, mas muitos fios de negritude ímpar. Não sabia do que se tratava, apenas aprendi que seu nome era … Máquina! Isso mesmo, máquina! Naquele ponto, o riacho contornava barrancos enormes, todos repletos de plantas, não se viam mais casas na vizinhança.
O riacho teimava em não seguir reto! Era como se espreguiçasse de tempos em tempo, ora esticando cada parte do seu corpo. Diversas dobras e nelas, vários momentos de nossas vidas.
Me lembro desse percurso em cada detalhe. Às vezes seguia a pé, noutras na minha bicicleta azul, Monark Olé 70. Mas não pensem que isso só ocorria aos finais de semana. Nada disso! Para ir até a escola, todos os dias, lá ia eu e minha meninice, segurando uma pasta preta da qual era imensamente orgulhoso, trilhando ao lado do Rego Grande até o grupo escolar.
Foram várias as vezes em que cheguei em casa com as meias brancas totalmente coloridas de terra, pois chutar as pedrinhas da estrada era um divertimento só. E de bicicleta então? Ouvindo o barulho dos pneus a esmagar o cascalho, num ritmo compassado.
Quando o sol castigava os ombros tiravas os sapatos e as meias e não me furtava e caminhar dentro do Rego Grande. Era um riacho estreito e raso, dava pra ficar dentro dele sem mínimo esforço. Sua água era geladíssimas e escorria por entre os dedos do pé, a ponto de formigar. Uma sensação que subia por nosso corpo a refrescar o nosso sorriso.
Mas tudo na vida, infelizmente, tem um fim. Não foi diferente com o Rego Grande. A expansão imobiliária e o crescimento desordenado da cidade mataram o meu amigo. Não corre mais água por ali.
A estradinha de terra nem existe mais. Hoje o forro é de bloquetes frios e insensíveis. As margens do que antes fora o Rego não abrigam mais barrancos com avencas. Só sobrevive uma pequena amurada de concreto e tijolo.
A velhice cuidou de criar muitas rugas naquela imagem. Até o riacho cuidou de fugir. A mim, basta a lembrança do passado que, aliás, jamais deveria ter ido. É incrível como a gente despreza as companhias de nossa vida, nossos amores, em troca do que não conhecemos.
Hoje o Rego Grande é só uma saudade, que vai da Peneira até a Máquina, mas que, mesmo com seus quilômetros, insiste em agasalhar meu coração e minha alma inquieta, alma que ainda caminha por ali, devagar, a espreitar a próxima curva, dentre tantas, descortinando ante olhos úmidos um curso d’água que mostrava como era simples ser feliz!
Não escuto mais o barulhinho da água deslizando sobre o leito de pedras e seixos. Não consigo mais fazer das mãos uma cuia a abrigar fartos goles. Mas tudo isso apesar de não estar frente aos meus olhos, nunca saiu de mim. Na verdade, passei a compreender que o Rego Grande não desapareceu, ele continua lá, só que escondido. Bem escondido, no fundo da minha alma de menino.
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Peter boa noite,fomos vizinhos muuuuuuitos anos,me lembro qdo vc nasceu,vc citou meu pai em um dos textos fiquei muito emocionada e feliz,convivemos muito , inclusive me lembro de todos,D.Nazinha,D.Sonia,etc.Sucesso para vc
Uma pena que o Rego Grande esteja desativado atualmente! Era tão bom caminhar ouvindo o barulhinho das águas e contemplá-las deslizando vagarosamente… Tenho saudados
*saudades.
Como vai Peter?
Gostei de rever o Rêgo Grande através das suas lembranças. Revelou um pouco das nossas. Nossa cidade mudou mas continuamos recordandam nossa vida simples, vivida com amor.
Abençoado Natal para vc e sua amada família.
Piter, que matéria leve, suave e bonita a descrição de nosso Rêgo Grande.
Caminho tranqüilo de passeio às tardes, ouvindo o murmurar preguiçoso de suas águas.
Enfim, vivemos de recordações, dando lugar à modernidade.
Te desejo sucesso e Boas Festas junto aos seus.