Tais Civitarese
Sabemos que o pó adocicado advindo da cana (ou da beterraba, ou do coco, etc.), não é lá a melhor coisa para a saúde do corpo.
Porém, desafio alguém a encontrar maior carreador de memórias afetivas do que ele. Quando lembro dos momentos felizes que já vivi, tem sempre um doce envolvido. Ou talvez seja o doce o responsável por não me deixar esquecê-los…
Fecho os olhos e me recordo dos chocolates em formato de guarda-chuva – que mal tinham gosto de chocolate – e da paçoca Amor (era a mais sequinha e gostosa de todas) que eu comia nos anos 80. Das balas de mel da estrada que papai comprava para mim voltando do interior. Do bolo floresta-negra, com o qual comemorei muitos dos meus aniversários. Dos suspiros da padaria da cidade onde mamãe nasceu, da torta de banana da tia Eneida e da geléia de mocotó transparente e brilhante, cheirando a perfume, que era feita na casa da minha avó paterna, onde estive pela última vez há mais de 30 anos.
Outro dia, um amigo chorou ao comer uma bala que lembrava sua avó e achei aquilo tão bonito. Como um sabor pode trazer viva a memória de alguém.
Minha avó, libanesa, servia um doce chamado “Halwa”, que a gente chamava de “ralêu”. Eu o chamava de “doce de osso”, porque quando o partíamos, ele se esfarelava em lascas firmes e esbranquiçadas, como se fossem espículas ósseas quebradas. É verdade que assim como os ossos, ele contém muito cálcio, uma vez que é feito de sementes de gergelim. Vovô trazia esse doce do Rio de Janeiro e era como um tesouro embrulhado em papel besuntado de óleo, com a consistência mais fantástica que se pode imaginar. Uma mistura de crocante com macio, que agarrava nos dentes. Passava horas sonhando em saboreá-lo.
Talvez, com o progresso da ciência, as futuras gerações venham a se emocionar com a lembrança de alimentos ricos em fibras, de origem nutritiva e com menos aditivos perigosos. Entretanto, minhas memórias foram cunhadas em um tempo de estudos incipientes no campo da alimentação e da saúde cardiovascular. Isso é imutável, por mais que os aprendizados de hoje esclareçam o que é realmente melhor para a saúde física. Uma vez que estamos falando do passado, prefiro ater-me à poesia do que aquilo, anos atrás, significava.
Açúcar era afeto. Em parte, acredito que sempre será. Seja por consequência de motivações perversas, como viciar toda uma sociedade, a verdade é que o plano funcionou. E trouxe como efeito colateral algo inesperado para um sistema que quer nos vender tudo: doces e gratuitas lembranças.
Que dizer das frutas colhidas ao amanhecer e digeridas nas varandas e cozinhas da roça? Dos doces feitos nos tachos de cobre? Dos bolos e biscoitos nos fornos de barro?