Tão tão distante - fonte: Pixabay

Tão tão distante

Tão tão distante - fonte: Pixabay
Tão tão distante – fonte: Pixabay
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Daniela Piroli Cabral
contato@danielapiroli.com.br

Certa vez acompanhei, em psicoterapia, o caso de uma adolescente que estava às voltas com regime para emagrecimento. Vou chamá-la de Sarah por questões de sigilo e também porque todo personagem deve ter um nome.

Sarah me relatava episódios de compulsão alimentar, especialmente com doces. Chocolate, então… nem se fala. Durante as refeições, uma vez iniciado o processo, tinha muitas dificuldades em parar de comer. Era a primeira a se sentar na mesa e a última a se levantar. Queria provar de tudo, repetir. Mas não comia por prazer, nem por fome. Comia para se sentir cheia, à beira da explosão. Muitas vezes, mesmo após o episódio de hiperfagia, não se sentia saciada. Sentia-se mal, frustrada, culpa por ter exagerado mais uma vez. 

Torturava-se repetindo mentalmente: “Seu corpo é feio, seu corpo é feio, você é gorda”. E logo depois reiniciava o ciclo, procurando, inconscientemente, conforto na comida. Sentia-se fragmentada, a parte do pescoço para cima ia sempre bem, mas a parte debaixo, do pescoço para baixo era só conflito. Frequentemente evitava festas e eventos sociais para não se expor ao risco das tentações gastronômicas.

Sarah adorava exercícios físicos, praticava corridas e caminhadas com regularidade, o que lhe permitiu, durante um bom tempo, manter o equilíbrio entre o gasto e o ganho calórico. Seu corpo saudável, porém um pouco fora dos padrões de beleza reforçados pela mídia, era seu ponto fraco. Não se sentia nada bem nele. Habitá-lo era um suplício. 

O conflito com a alimentação começou cedo, desde pequena, quando seus pais passaram a proibir que ela repetisse o almoço e limitaram a sobremesa apenas aos finais de semana. Sarah roubava guloseimas da dispensa e as escondia no seu armário. Comia sozinha, quando a casa dormia. Os pais lhe questionavam se ela havia comido. “Não fui eu”, negava até a morte. Ela tinha apenas 6 anos.

Uma vez, quando criança, numa brincadeira de escola, a professora desafiou os alunos a inventarem, cada um, seu “superpoder”. Marcelo queria voar. Bia queria ficar invisível. Pedro queria poder escorregar no arco-íris. Mas o poder mais desejado por Sarah era: “comer tudo o que quiser e não engordar”.

Já na adolescência, o desejo mudou: ter a barriga da Sandy. E essa imagem idealizada de seu ídolo teen a acompanhou (e incomodou) por muito tempo. Como aquelas realidades eram distantes. Tão tão distantes. O conflito se estendia para as relações. Os olhares masculinos para seu corpo a desestabilizavam. Sentia-se constantemente constrangida e inadequada.

Sarah me procurou recentemente para retomar a psicoterapia. Diz que no seu último aniversário arrumou seu armário, doando todas as peças de roupa as quais obrigava-se a voltar a caber. Seu presente? Um lindo short novo, confortável, de cintura alta. E a alegria de ser como se é. 

*

Curta: Facebook / Instagram

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *