Foi uma vida toda acumulando de tudo.
Livros, vasos, fotografias nas prateleiras.
Revistas, quadros, velharias nos armários.
Móveis por todos os cantos. Coisas em todas as gavetas.
Agora que conseguiu vender o mausoléu, onde é que vai enfiar isso tudo?
Dona Branca vai se mudar para um apartamento.
Quarenta anos atrás, os filhos se amontoavam em volta da mesa. Lilico, Melissa, Tereza, Antônio e Guga, em ordem crescente.
Mocotó, feijoada, galinhada, peixe e carneiro com batatas, respectivamente.
Hoje o almoço é omelete com queijo.
Hoje, só dona Branca na mesa.
E o mausoléu, devorando-a por inteira.
No mausoléu, há cômodos escuros e infestados de morcegos. Coisas rastejam por debaixo do assoalho. Outras coisas fazem ninhos no telhado.
Portas estão fechadas há muitos anos.
A situação ficou assim depois que os filhos de dona Branca partiram.
Foi em um dia da Tereza (galinhada), se não falha a memória de dona Branca. Véspera do nonagésimo ano do aniversário de morte do senhor Alcides. Comeram a galinha e roeram os ossos. Dona Branca pediu que Lilico fosse buscar a sobremesa: uma torta de limão dentro da geladeira da antiga cozinha desativada, que ficava no andar de baixo da casa.
Franzino, Lilico não conseguiria arrastar a velha porta emperrada da cozinha. Então pediu que Melissa fosse até lá com ele. Melissa, que não enxergava bem no escuro, pediu ajuda a Tereza. Tereza, que havia comido demais, pediu a Antônio que a segurasse, para que não rolasse escada abaixo. Antônio, muito esperto, pediu que Guga ficasse lá embaixo, para ajudar aparar a queda.
Assim, fizeram a ocasião. Uma armação bem feita. Nem torta de limão, nem filhos em volta da mesa. Mandaram-se todos… para nunca mais voltar.
Dona Branca envelheceu sozinha.
O mausoléu, portas rangendo, tábuas do piso estalando, gritos de horror na madrugada, envelheceu com ela.
Agora, dona Branca vai se mudar para um apartamento.
Três homens fortões e um caminhão deram conta do recado.
A biblioteca pública ficou com os livros e revistas.
O museu de arte, com os quadros.
Parte dos móveis será aproveitado no apartamento. E as fotografias dos filhos ingratos foram guardadas, carinhosamente.
O resto foi para o lixo.
Morcegos voaram em plena luz do dia.
Teias de aranha foram destruídas.
O andar superior inteiro foi esvaziado.
Mas o andar de baixo…
— Dona Branca, a senhora precisa ver isso — disse um dos fortões.
Então o brucutu deu um tranco na porta da velha cozinha desativada.
Lá dentro, uma janelinha basculante deixava entrar um fio de luz. Foi o suficiente para revelar o inacreditável: quatro esqueletos, muito bem conservados, sentados lado a lado.
Pelo tamanho deles, dona Branca conseguiu identificar: Lilico, Melissa, Tereza, Antônio e Guga, em ordem crescente.
Eram os cinco filhos de dona Branca.
Eles jamais a abandonaram.
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