Aos 14 anos eu pensei em fazer a minha primeira tatuagem. Um cogumelo colorido, no tornozelo. São José das Noções, protetor da reputação das adolescentes maluquinhas, me fez tremer de medo da agulha ao ver a criatura que estava sendo tatuada na kombi, onde eu pretendia me desenhar com aquilo que se parecia um pouco com a casinha dos Smurfs, e acabei chegando aos 44 com a pele virgem.
Trinta anos depois desse episódio da kombi, numa sangria de escambar todos os móveis e enfeites que não combinavam com o novo apê, acabei trocando um espelho com moldura de mosaicos pela minha primeira – e até hoje única – tatoo. Confesso que a atitude não foi muito menos impulsiva do que teria sido naquele primeiro impulso da adolescência, já que a minha intenção inicial era trocar o espelho por um botijão de gás. O desenho, no entanto, mais que certeiro, era premonitório. A flor de lótus, nascendo na ponta de um emaranhado unalome, delicadamente desenhada pela agulha de Mari Tallarico, era a primeira contração do parto de uma cria gestada por muitos anos debaixo da lama.
Toda vida de gente é meio parecida, de modo que quase todo mundo que ultrapassa os 40 tem uma boa ideia do que é se debater num rio enlameado com a clara sensação de que a qualquer momento será tragado por uma correnteza e nunca conseguirá voltar à superfície. E é nesse embate louco que a gente geralmente adquire a força necessária para seguir nadando, mesmo contra a correnteza, e mantendo a cabeça fora da água. Inclusive porque encontra milhões de braços para nos acolher pelo caminho (gratidão eterna a todos os amigos de todas as fases da vida!).
Mas foi durante a minha primeira formação em AIM – Abordagem Integrada da Mente, com o psiquiatra e neurocientista Diogo Lara, que realizei o movimento inverso. Aceitei um convite para mergulhar profunda e rapidamente no rio enlameado em cuja superfície sempre me esforcei para ficar. Mais que isso: fui convidada a tocar o fundo desse rio. “Se você toca o fundo, toma impulso para subir”, Diogo disse. E eu acreditei. Que bom que acreditei.
Perdi o medo do rio, dos mergulhos e da lama. Minha flor de lótus interna é ainda um botão, mas já se vê que terá pétalas muito viçosas e vida longa. Aprendi a fazer os mergulhos necessários para entender que o unalome é indispensável à flor. Sem percorrer o caminho emaranhado que lhe dá sustentação, minha flor de lótus não teria força para emergir no meio da lama. “Acolha tudo. Acolha esse medo. Acolha essa raiva”, era a voz suave da terapeuta Daniela Franzen, que estava como assistente de Diogo Lara. Ao final, tudo estava mais leve. E ao fim de cada novo mergulho, tudo se torna mais e mais possível.
Meu unalome tem muito mais emaranhados do que esse desenho lindo feito pela Mari nas minhas costas. Há muitos mergulhos por serem feitos. Mas quando a gente encontra amparo e acolhimento para as emoções, entende que está tudo bem que elas brotem. Tudo bem que entrem em ebulição e transbordem até que se estabilizem. Tudo bem que haja lama, quando a gente passa a ter a convicção de que uma flor de lótus uma hora há de brotar por cima desse lodo em que a gente um dia acreditou que ia morrer afogado.
Em tempo: o medo de agulhas me salvou de ter uma réplica da casinha da Smurfete impressa no tornozelo direito. Até que ele cumpriu bem o seu papel, né?
Se você quiser fazer esse mergulho comigo, neste período de pandemia tenho facilitado os processamentos de AIM exclusivamente online, por meio do Zoom. Para mais informações, você pode mandar uma mensagem pelo whatsapp: +55.31.98395.5144.
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