O cachorro deu para comer meus livros. Isso me trouxe um profundo desgosto. Ai de mim se abandonar um exemplar sobre o sofá. É fato que em poucos minutos, será encontrado aos pedaços na garagem, recoberto por terra, irrecuperável.
Com o outro cão, eram os sapatos. Talvez isso indique algum tipo de evolução (canina ou minha?). Talvez isso simbolize algo.
Descobri esse pendor da pior maneira. Mal posso relembrar a cena. Após minutos de intensa procura, encontrei “A amiga genial” desfalecida, mutilada em múltiplas partes. Perecia tragicamente sobre a grama e estava plena de marcas de mastigação.
É verdade que eu não gostei muito da história.
Ainda assim, o exemplar não merecia isso.
Infelizmente, não parou por aí. Mais algum descuido e lá se ia a nova vítima.
Ele demonstrou apreço especial pelos autores franceses. Ingeriu sem dó “As pipas” do Romain Gary. Quase deglutiu “Os Miseráveis”. Só não o fez porque o calhau era tamanho, feito um tijolo, que não conseguiu carregar. Adivinhou que aquilo, no mínimo, lhe causaria dor na mandíbula e indigestão. Se ele devorasse meu Victor Hugo, nosso amor estaria acabado ali. Não encoste em VH! Isso seria um crime imperdoável.
Por vingança, voltei-me para os russos. Duvido que o ímpeto devorador seja o mesmo. Ali está a verdadeira intensidade das histórias tristes. Densidade que não é para qualquer estômago. Pensei que estaria em terreno mais seguro, com a cota de drama pré-calculada e suficiente.
Até agora, passamos ilesos.
Por via das dúvidas, esqueci o sofá e passei a ler na varanda, onde ele não entra.
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Poxa vida! Victor Hugo na boca de um cão é uma profanação. Sugiro deixá-lo mastigar os russos. Indigestão na certa.