“Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mais falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo.”
Machado de Assis


Victória Farias

O que pode compensar o que perdemos? Quem pode? Sob a ordem de quem? Na Mitologia Grega, Tros teve um filho sequestrado, com a intenção de ser usado como serviçal dos deuses. O que Zeus fez para compensá-lo? Compadecido, deu-lhe dois cavalos. Eles andavam sobre as águas; isso deve bastar.

Mas, aqui e agora, sem a Guerra de Troia como pano de fundo (embora pareça muito), quem e o que receberemos como recompensa do que nos foi tirado? Lampejos, prazeres, costumes, espaços, receios, pessoas, momentos. Tros perdeu o filho ao bel-prazer dos mandantes ávidos por permanecer. Perdemos abraços temporários. A eternidade e o afago de outra pessoa não duram exatamente o mesmo tempo?

Gosto de ouvir as desculpas das pessoas para embasar o novo normal, ou o novo momento, ou seja lá como os adolescentes chamam isso hoje em dia. Acho, no mínimo, engraçado. As justificativas, às nuances, o momento exato que uma boca se abre para dizer: “ah, mas agora temos a possibilidade de fazer reuniões onde quisermos!” Temos? Perdão, estava ocupada demais contando. Um… dois.. quinhentos… Nunca fui boa em matemática. Perco depois dos 100 mil. 

Tudo é consumido, e perdido, e consumido de novo. Eu preciso colar meus quatro olhos no calendário para saber se estou vendo certo. Faço isso todos os dias, mas hoje olhei junho. É quase agosto.

Ontem passei o dia de cama. Não compreendendo minha moléstia e moleza, tive dificuldades de permanecer com os olhos abertos para almoçar. Sem entender o que estava acontecendo, assim fiquei até o nascer-da-lua. Descobri, só hoje, o que tinha me consumido ontem.

Ao acordar tarde, como o dia pede, fui, sob a ordem da minha avó, comprar leite de coco e coentro – é o que tem raiz -. Na pressa, não atinei para os costumes da manhã, especialmente para a principal refeição do dia. Então, fiquei me deitando nos cantos pelo simples fato de não ter tomado um pouco do vício permitido. Sem cafeina, meu corpo se recusava a reagir, dava-me a respiração, quanto ao resto, dizia: “sob a ordem de quem?”

Mas, independentemente do quanto escrevo – ou do que escrevo – não consigo parar de pensar na cara de Tros. Como ele deve ter se sentido. Usado? Passado para trás? Perdido? Ele deve ter pensado “sob a ordem de quem?” Será que ele ficou bravo? Transtornado? Ou ele foi compreensivo? Complacente? Condescendente?

Ouvi dizer que foi isso que ele fez. Deixou estar. Na história, passou a se referir aos cavalos como seus descendentes. Complacente, Tros aceitou o dois por um. Ou o meio por todo. Por que você foi condescendente, Tros? A sua atitude abre jurisprudência para o nosso revés atual. Não tenho espaço para cavalos e não moro perto do mar, então não tenho interesse neles. Mas, aqui e agora, devo também ser permissivo? Se não isso, o que devo fazer? Acho que foi isso que você deve ter pensado. Se não isso, o quê?

Victória Farias

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