A fadinha skatista Rayssa Leal me resgatou de um poço de profunda desesperança quando abriu aquele sorriso largo ao erguer a medalha olímpica. “Feliz porque minha história e a de muitas outras skatistas quebrou toda esta barreira de que skate era só para meninos”, ela mandou. E eu chorei feliz porque a barreira que ela quebrou naquele pódio foi muito maior que essa. Na semana passada, eu estava bem arrasada com a notícia de que LuisaMell passou por uma cirurgia estética, contra a própria vontade, porque o médico pediu uma autorização ao marido da apresentadora de tvenquanto ela estava sedada… e ele autorizou. Rayssa me deu uma certa esperança de que talvez possamos não nos transformar na República de Gilead, d’O Conto da Aia.
Descobri Margaret Atwood há mais de 20 anos, quando morava em São Paulo e, passeando pelos corredores da FNAC, na Vila Madalena, trombei com um título, A mulher comestível. Fiquei tão obcecada que me sentei numa das mesinhas da livraria e li o romance quase todo ali mesmo. Saí atrás de tudo o que era possível encontrar da autora canadense e fiquei particularmente impactada por um outro título,na época traduzido como A história da Aia, que muitos anos mais tarde me causaria o mesmo impacto ao ganhar as telas em um seriado de TV protagonizado por Elisabeth Moss.
O maior pesadelo da minha adolescência, no final dos anos 1980 e início dos 1990, era que toda aquela liberdade, que eu sabia duramenteconquistada, um dia pudesse terminar e a gente se visse preso sob o olhar do Grande Irmão de 1984. Mas, naquele já longínquo ano 2000, a República de Gilead, de Margaret Atwood, acrescentou um componente mais assustador às minhas aflições kafkianas: um futuro totalitário podia ser consideravelmente pior para as mulheres. Aos 26 anos, recomeçando a vida pela primeira vez, após o fim de um casamento, eu começava a entender que os medos não são os mesmos para todos.
Além da cirurgia de Luisa Mell, também semana passada, as notícias do espancamento da deputada Joice Hasselmann, em circunstâncias até agora inexplicáveis ou inexplicadas, me fazia sentir que, não importa o quanto você é forte ou durona, será sempre mais difícil se você for mulher. A República de Gilead parece uma sombra, sempre à espreita. A menos que a gente seja capaz de absorver toda a força das palavras de uma fadinha de 13 anos que acaba de se tornar a mais jovem medalhista olímpica do Brasil: “Eu estou muito feliz porque pude representar todas as meninas”.
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