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Violência doméstica

Tais Civitarese

Minha avó sofreu violência doméstica. Toda vez que vejo um caso sobre o assunto, me lembro dela. Minha avó era uma pessoa doce e gentil. Muito inteligente e simples. Meu avô tinha “personalidade forte”. Era homem de seu tempo…

Percebi em vovó que as marcas do que ela sofreu perduraram por muitos anos, mesmo um longo tempo após a cicatrização de suas feridas. Essas marcas passaram para seus descendentes, minha mãe e meus tios. Também passaram para mim, minha irmã e minhas primas. E estão aqui até hoje.

As feridas da violência atravessam o tempo. Perpassam o corpo. Atingem alguma coisa mais profunda do que a pele e os músculos. Elas ficam e latejam ao menor sinal de perigo. São memórias inconscientes que gritam: fique viva! Somos uma família predominantemente composta por mulheres. Se nossa matriarca foi ferida, todas nós sentimos.

Não é fácil ser mulher. A socialização masculina não ensina a sociedade a respeitar-nos. Não ensina a nos darem valor muito além da aparência e da docilidade. Se fugimos a isso, tornamo-nos bruxas. Muitas vezes, somos vistas como um estorvo. Somos lidas como inferiores e fracas, loucas e histéricas. E quando nos tornamos mães, externamos toda a nossa vulnerabilidade com o coração batendo também fora do peito. Viramos alvo fácil.

“Os tempos” de vovó foram há sessenta anos. As coisas que ela viveu ainda se repetem até hoje. Não é fácil ser mulher. Não é fácil ter que pedir permissão para sentir, ser e dizer. Não é fácil navegar no mar da misoginia latino-americana em tempos ressaquiados das capitanias hereditárias. Estas também continuam aqui em seus vários formatos, ainda ocupadas por senhores e sinhás. Não é fácil romper com tais performances. No entanto, é preciso.

As mudanças na sociedade requerem muito tempo para serem introjetadas. Aparentemente, bastante mais do que sessenta anos. Requerem denúncia, requerem coragem. Requerem o desmoronamento do antigo. Que nos enxerguemos com menos fidalguia e mais sobriedade, lucidez e razão.

Ainda estamos indo a passos minúsculos. E através de quantas gerações for preciso, continuaremos caminhando.

Tais Civitarese

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