A segunda-feira amanhecera mais fria que os dias anteriores. Já passava das onze quando ela desceu com o lixo: o orgânico e o reciclável. Pouca coisa, apenas o acumulado dos últimos quatro dias mais as garrafas de vinho, consumidas no domingo, durante o almoço que oferecera à duas amigas.
Pegou a sacola e a caixinha de papelão. Abriu a porta. Olhou para os lados. Prestou atenção nos ruídos: nenhuma conversa. Corredor vazio, silêncio total. Resolveu então sair do jeito que estava. Ainda de pijama, pantufas horrorosas, cabelo amarrado no alto da cabeça, cara amassada pelas muitas horas de sono dormidas na noite anterior.
Desceu as escadas e já avistava os dois aramados, onde seriam depositados os sacos de lixo. Colocou um deles no espaço reservado aos orgânicos e abaixou-se para pegar a caixinha de papelão com as garrafas de vidro e as de plástico: água e refrigerantes.
– Bom dia! – Ela ouviu. Virou-se e deu de cara com um homem. Um desconhecido, possivelmente morador do prédio.
– Bom dia! – Respondeu cheia de desconforto (pijama + cara amassada cabelo embolado no alto da cabeça)
– Segunda-feira é dia, né, lixo do final de semana… Você mora aqui há muito tempo?
– Não. Há três meses, acabei de chegar – ela sorriu
– Ah, ganhou de mim! É o meu segundo fim de semana aqui. Acabei de me mudar. Ainda com tudo fora do lugar. – Sorriso.
– Uai, seja bem-vindo então., – Ela respondeu.
Assuntinhos bobos, perguntinhas mais bobas ainda e respostinhas sem nenhuma explicação. Três ou quatro minutos, não mais que isto.
– Bom dia e boa semana pra você – ela concluiu. – Tchau.
– Tchau – ele respondeu. – Certamente, nos veremos por aí, né?
Ela fez meia volta, andou mais rápido que de costume e subiu as escadas, de dois em dois degraus. Chegou bufando.
Nas segundas-feiras havia sempre um ritual a ser seguido. Geralmente, uma compra a ser feita, uma listinha com o que fora anotado como “faltas”, durante a semana. Depois do café, tomado já bem tarde, resolveu ir mais cedo que de costume ao supermercado que ficava a um quarteirão de sua casa.
Desfilava pelo corredor de Chás & Cafés, escolhendo os sabores habituais e ousando comprar uns novos que ainda não conhecia. Com a aproximação do inverno e o tempo mais frio, um chazinho caía sempre bem. Olhava uma caixinha de framboesa, mirtillo & grosellha. Cheirou a caixinha. Gostou do aroma. Colocou as caixas no carrinho.
– Olá! – Alguém disse atrás dela.
Virou-se e deu de cara com o novo vizinho. De banho tomado, cabelo molhado, um cheiro bom… meudeusdocéu!!! Deve ter arregalado os olhos, um susto.
– Olá. – Respondeu (coração bateu mais forte).
– Não perguntei o seu nome e nem te falei o meu – ele sorriu. – Foi muito rápido lá na Lixeira, né? A gente sempre correndo demais, ansiosos demais, sem tempo pra nada.
– Pois é. – ela falou (100% sem graça). Devo ter ficado vermelha, pensou.
Ficaram ali por alguns poucos minutos, falando abobrinhas, sem nenhum nexo, como dois adolescentes que não sabem o que dizer. Ela suspirou meio impaciente, mas percebeu que ele não tinha pressa alguma. Parecia muito calmo, tranquilo e tinha um olhar fixo que lhe incomodava um pouco.
– Então, tchau, muito prazer em te reencontrar. Certamente iremos nos ver outras vezes. Estou no 402. Não perguntei pelo seu apartamento. Onde você mora?
Ela saiu dali, passou por outros corredores e rapidamente pegou a fila do caixa. Evitou o de “idosos” para que ele não a visse; vamos que ele não fosse ainda idoso? Ela riu sozinha.
Na terça-feira, foi ao shopping. Passando por uma loja de lingerie viu, na vitrine, um jogo de calcinha e soutien, simplesmente maravilhoso. Rosa antigo, de renda, laterais finas pero no mucho. Entrou. Perguntou o preço. Quase desmaiou. Não sabia que uma lingerie como aquela estivesse custando tanto assim. Desistiu da compra.
Fez tudo que precisava. No Correio, despachou uma encomenda. Na Caixa, sacou dinheiro para o resto da semana. Na lojinha de bebês comprou uma lembracinha para o primeiro netinho da sua melhor amiga. Tomou sorvete, sentadinha, só olhando e observando as poucas pessoas que se encontravam ali naquela tarde.
Quinta-feira. Ela desce novamente com o lixo. Desta vez, nada de correr e sair voando logo pela manhã. Preparou o que seria o seu almoço. Pegou uma sacolinha com lixo reciclável e desceu.
Não é possível, ela pensou ao encontrá-lo, já voltando com as mãos vazias.
– Uai, bom demais te ver de novo, moça!
– Pois é… – Ela disse. (Frio na barriga)
– Estou querendo convidar você para um café. Vou ao shopping esta tarde, preciso ver uns livros. Poderíamos nos encontrar lá. O que você acha?
Aos seus olhos, ele agora parecia muito, mas muito mais alto. Que homem bonito. Mais sarado. Mais grisalho. Mais simpático. Dentes lindos. Olhos claros. Um gato! Vou ou não vou, ela pensou!
– Sabe o que é. Hoje não vai dar, já tenho compromisso. Se, por um acaso houver mudanças nos planos, te aviso.
– Você poderia então me passar seu telefone. Te adiciono e assim você fica tendo o meu celular. Você tem whats, né?
– Ah, sim. Não estou com o meu celular aqui. – Falei. – Anota então…
– Pode dizer… Anotado. A gente se fala e lá pelas quatro, saio daqui. Se você quiser podemos ir juntos.
– A gente vai se falando, é melhor, né…
– Tchau. – Tchau. – Até mais. – Tá bom…
Não ligou nem confirmou café nenhum. De vez em quando olhava o celular, curiosa, muito curiosa. Lá no fundo ela queria, mas na realidade, não queria. Nem shopping, nem ele, nem café, nada.
De tardinha o celular toca. Era ele.
– Você não deu notícias hoje o dia todo, né. Queria te ver. Acho que seria bom nos conhecermos melhor. A gente poderia saber mais um do outro. Você não gostaria? Pensa aí. Que tal jantar comigo? Gosta de comida portuguesa?
Ela foi. Passava da uma hora da madrugada quando voltaram do jantar.
Civilizadamente, ele a deixara na porta do 204. Lógico que não teria convite nenhum para continuar a noitada. Nem para o café da madrugada. Houve mais um beijo. De boa noite. Outro, de obrigada pela noite maravilhosa. Um abraço, de adorei conhecer você. Sério. Outro beijo, de fique bem e o último, de até amanhã.
Na sexta-feira, ela voltou ao shopping. Comprou, sem fazer conta, a lingerie maravilhosa que havia visto e pela qual se apaixonara. Aproveitou e foi ao salão. Fez as unhas. Depilação completa. Escovou os cabelos. Chegou em casa já de noitinha. Saía do banho quando tocaram a campainha. Coração na boca. Meudeusdocéu, será ele? Era. Com um vaso de orquídeas. Lindos, o vaso e ele. E aquele cabelo lindo, grisalho, anelado, molhado.
– Puxa, não estava esperando visita. Saí do banho agora. – Ela disse sorrindo.
– Não é visita. Vim trazer estas flores e convidar você pra passarmos juntos o final de semana. É Dia dos Namorados, tá lembrada? Nada nos impede de comemorar. Vamos pra Ouro Preto, cidade romântica. Reservei uma pousada muito charmosa. Saímos amanhã e voltamos no domingo. Que te parece?
De frente para o espelho do banheiro, ela sorri sozinha. E ainda meio assustada, respira fundo. Se sente feliz por ter tido a coragem de dizer sim. Por ter se permitido uma aventura assim. Tão diferente, repentina e inusitada. Seu coração não lhe enganaria, ele era uma pessoa especial e passariam sim, dias excepcionais. Nada de expectativas para o longo prazo. Nada de compromissos sérios. Viver o momento. Presentes no aqui e agora, os dois.
O futuro lhe dizia que, depois de tantos anos, a vida voltara a lhe sorrir.
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