Guilherme Scarpellini
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Em “Sem Destino” (1969), filme clássico da contracultura americana, dirigido por Dennis Hopper, o advogado bêbado George, interpretado por Jack Nicholson, pede carona a dois motoqueiros hippies. Ao que um deles, o menos sequelado, não vacila: o doutor tem capacete?
O que se vê em seguida é uma das cenas mais memoráveis do cinema. George, com um capacete de futebol americano enfiado na cabeça, se diverte na garupa da motocicleta de Wyatt (Peter Fonda). À frente deles, o companheiro Billy (Dennis Hopper) faz acrobacias em sua possante. Barbas, cabelos — e fumaça — ao vento, céu azul e estrada a perder de vista e, claro: tudo isso ao som de “Born To Be Wild”.
Essa é a imagem libertadora que me vinha à mente sempre que eu via essas feras mecânicas e os seus domadores de coletes pretos nas estradas. Até que o Bolsonaro entrou no meu caminho. Era 12 de junho de 2021. Dia dos Namorados? Que nada! “Acelera para Cristo”.
O próprio nome do desfile de ovelhas motorizadas, na última semana, já desmoraliza os verdadeiros adeptos das duas rodas. Amistoso para Cristo, quermesse para Cristo, bingo para Cristo, isso ainda vai. Mas acelerar, não. Acelerar tem que ser por insanidade, por insurgência, por revolução ou mesmo pelo leite das crianças, como o fazem os guerreiros que entregam pacotes de comida em sua casa.
“Acelera para Cristo” é o mesmo que MMA pela paz mundial ou churrasco pela sustentabilidade do planeta ou ainda Bolsonaro pela democracia. É se apropriar do nome de Jesus.
Aliás, Cristo, pobre e judeu, que estendeu a mão a miseráveis, prostitutas, pestilentos, mais provavelmente estaria hoje ao lado dos motoqueiros “Sem Destino” do que de motoqueiros hipócritas que se dizem cristãos, mas desprezam gays, pretos e mulheres. Apoiam o genocida, aglomeram na pandemia e apropriam-se da nossa bandeira.
E se depender deles, se apropriarão também do filme de Dennis Hopper. Na mão deles, o país seguirá “Sem Destino”.