Ela estilhaçou feito vidro.
Foi assim, um soco, um murro. O céu desabou e o chão perdeu-se terra abaixo. O que ela ouviu dele foi um pesadelo. Algo nunca imaginável. Como assim, não a queria mais! Não a desejava fazia tempo. A vida junto dela mais parecia um inferno. Ele não era feliz. Não sentia mais alegria em nada. Muito menos na vida ao seu lado. E ele falou aquilo tudo olhando pra ela.
Seus olhos não eram os seus. Aquele verde calmo dera lugar a faíscas e relâmpagos. Uma raiva sem medida. Uma ira vinda não se sabe de onde. Foi o whisky? Umas doses a mais? Não, a boca só fala do que o coração está cheio. Aquele descontrole precisava de uma explicação, uma razão para existir.
Daquele turbilhão de palavras ela não queria ouvir mais nada. E ele não se calava. Não se continha. Temeu por sua integridade física. Ele falava muito alto. Gesticulava e começava a se mostrar violento. Ela resolveu falar. Uma única palavra. Chega. E foi assim que tudo se acabou.
E ela sem ação. Sem voz, sem coragem, sem ar. Um respiro e se é assim, melhor o ponto final. Agora. Antes que outras mágoas e outras farpas me atinjam, ela pensou. E pensou que seria fácil. Não foi. Não tem sido, e ela se pergunta se um dia será.
Para onde teria ido a convivência tranquila e calma que compartilhavam naquela casa à beira mar? A casinha da praia havia sido pensada, elaborada. Criada e arquitetada pelos dois ao longo de vários anos. Era um sonho. De ambos. Morar na praia, céu imenso, azul intenso, sol por extenso.
Até as tormentas e tempestades tinham sua beleza, eram bem-vindas. Mereciam até uma conversa na varanda, se a chuva assim lhes permitisse. Era bela a natureza mesmo quando se enfurecia. Há quanto tempo fora assim? Dez anos, um pouco mais, ela pensou. E nada disso teve valor. Desimportância total.
Sozinha em casa, ela sente que a noite e a solidão em muito se parecem. Ambas insistindo em tocar a mesma nota. Tentando acertar a mesma sinfonia e, a cada minuto, se distanciando mais do tom. A solidão que não reconhecia como sua, agora dói muito, sufoca. O ar, às vezes lhe falta. Parece que não sobreviverá. O solitário e árido deserto que percorre agora deixa tudo seco. Branco. Sem cor e sem vida.
Seus olhos se turvam e se enchem de lembranças. Nubladas. Cinzentas e molhadas. A tristeza goteja. Escorre. Molha o rosto, encharca a alma. Como assim, ele não era mais feliz ao seu lado, desde quando? E ela nunca percebera? Os momentos felizes teriam sido uma encenação. Um teatro mambembe? Não. Não era possível. Mas foi o que aconteceu.
E ele a lhe falar tudo aquilo. Aquelas coisas que, naquele momento, feriam, apunhalavam, faziam sangrar. Um discurso ensaiado e reprimido que há tempos encontrava-se, quem sabe, entalado na garganta.
Ele se foi. Ela ficou.
Já não vê tanta graça em olhar o mar. O céu continua azul. A areia branca e macia está lá. A paisagem, no mesmo lugar. Quando o tempo esfria um pouco, mais tempo ela passa em casa. Da varanda aprecia o vento e a dança dos coqueiros. O cheiro da maresia lhe traz saudades. Engole seco, respira. O café esfriando. Procura pensar em outras pessoas, outros lugares.
Nele, pouco a pouco, não pensará mais.
Que venha o tempo, ele é o senhor da razão e o único remédio conhecido para quase tudo.
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