Vovó é fã de Stephen King. Dois anos atrás, andávamos pelas livrarias do Fliaraxá — Festival Literário da cidade — quando ela me apareceu com “O cemitério” (1983) debaixo do braço.
Acabava de tomar uma facada dessas de filmes de terror a vovó: R$ 70 reais. Disse a ela que não precisava ter desembolsando a fortuna, que eu emprestaria o meu velho exemplar a ela, ao que ela respondeu: “dane-se, quero ler hoje à noite”.
Tal qual vovó, já atravessei noites devorando os livros do mestre do terror. Carrego na memória, desde menino, um conto de King em que o personagem descobre um dedo entalado ralo da pia. Isso mesmo: um dedo humano e com vida própria.
Todas as manhãs, quando o personagem se debruçava para escovar os dentes, o membro emergia do buraco da pia, dobrando-se e desdobrando-se, feito uma minhoca com pelos e unha. É toque de gênio a forma em que o autor flerta com o absurdo nas situações mais comezinhas. Até parece que King escreveu o enredo dos dias de hoje.
Fora as adaptações para o cinema, que tanto me divertiram, quando eu ainda nem sabia que King era rei. Curioso é que a sua obra foi adaptada não só por grandes nomes do cinema, como Stanley Kubrick (“O Iluminado”), Brian de Palma (“Carrie, a Estranha”) e John Carpenter (Christine, o Carro Assassino”), mas também por cineastas do lado B, cujos nomes me escapam — afinal, são 64 adaptações. Sim, King é muito rico.
Mas já foi pobre e fodido. Alcoólatra desde 1975 e com dois filhos para criar, precisou trabalhar em uma lavanderia e dar aulas de inglês até conseguir emplacar um texto em alguma revista em troca de algum dinheiro.
Escreveu “Os estranhos”, na década de 1980, com dois cotonetes enfiados no nariz. Era o único jeito de conter o sangramento causado pela cocaína enquanto trabalhava sobre a máquina de escrever.
Em 1999, já rico e famoso, saiu para fazer uma caminhada perto de sua casa de veraneio e encontrou um furgão desgovernado pelo caminho. Quatro costelas quebradas, uma perna dilacerada e trinta pontos na cabeça quase custaram a vida do rei.
Mesmo diante de tanta assombração, instado a dizer, em uma entrevista antiga, sobre como foi que o terror salvou a sua vida, ele respondeu: “os monstros fictícios ajudam a suportar os reais”.
Não é à toa que Stephen King é muito lido no Brasil.
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