Caminhar – Arquivo Pessoal
Sandra Belchiolina
sandra@arteyvida.com.br

Hoje, na caminhada matinal, me pus a pensar sobre a importância do caminhar na minha vida. No passo a passo pelas areias de Cumuruxatiba, Sul da Bahia, vieram-me as imagens iniciais. No principio do deslocamento, percorri a maior parte da distância pedalando. Com cinco anos de idade ganhei minha primeira bicicleta e era com ela que fazia o trajeto até a escolinha. Ou seja, ficava estacionada na casa da Tia Laura, há um quarteirão do destino final, creio que para não ser roubada. Fato é que, essas são as cenas mais primitivas que consigo lembrar e também onde adquiri certa liberdade para deslocar-me. Acredito que o percurso era de dois quilômetros, e considerando a minha idade na época… cá para nós – pedalava pra caramba!

Percorri Lagoa da Prata inteira, que é minha cidade natal. Mais tarde, na adolescência, já conseguia ir para praia (temos em Minas) tanto na bike como a pé. Percorri fazendas e campos diversos e o gosto pelo trekking continuou. Foi na Serra do Cipó que comprei a minha primeira bota de caminhada – as que prendem o tornozelo. Ao longo do tempo comecei a dar nome a elas em homenagem aos povos ancestrais, indígenas, para que primeiro seus passos tocassem as terras. Pensei até em fazer um louvor às homenageadas e considero muito merecido, pois foram muitos momentos compartilhados dando segurança no meu caminhar. Desejei ter um cantinho especial em minha casa para elas e fazer uma exposição fotográfica junto. Desisti da ideia e acabei doando-as. Conto parte de nossas histórias.

A primeira – A Pataxó, andamos Minas Gerais, como diz o ditado, de “Cabo a rabo”, mas a Serra do Cipó foi o destino mais constante. Foi um período de pesquisa e de lazer com muitas e muitas trilhas e cachoeiras. A mais memorável foi a Travessia Lapinha-Tabuleiro, três dias andando, andando, com sobe e desce na Cadeia do Espinhaço. Não queria parar mais, já fazia parte da minha vida caminhar, caminhar, caminhar… a mochila de ataque já era parte do corpo. 

A segunda – A Inka, ela já nasceu internacionalizada e só não foi batizada na trilha Inka porque tive o cuidado que todo caminhante deve ter – caminhe antes com a bota e a sinta nos seus pés. Feito isso pé nas terras dos Inkas, trilha de um dia rumo a Machu Picchu. Já escrevi sobre o tanto que é mágico esse caminho.

A Inka  abriu o “bico” caminhando no alto da serra em Araxá. Assim, a terceira é aquela de onde se avista o sol mais cedo. A Araxá percorreu as terras das tribos indígenas que deram nome a essa cidade do Alto Paranaíba em Minas Gerais. Percorremos muitos caminhos entre cafezais em flor ou não, cachoeiras e siriemas de companhia. Também presente, a deliciosa cozinha araxaense e o café prá lá de especial da fazenda Barinas. Com ela fiz a Chapada Diamantina, borda leste e oeste. Tudo lindo!

A Guarani foi a quarta, comprada visando o Caminho de Santiago de Compostela, a mais resistente. Como seu batismo foi nas terras dos Guaranis e as terras que iniciei o texto, ou seja, no Centro-oeste de Minas Gerais, principalmente Lagoa da Prata, o escolhi para a mais resistente. Ela foi companheirona na Serra da Canastra, nas minhas terras primitivas, nascentes do São Francisco, como esse também, seus brejos e lagoas. Ainda está boa, mas depois de tanta água sanitária para higienizar contra a COVID-19, abriu o bico também. Irá para o conserto, afinal é a mais resiliente e ainda quero caminhar por aí com ela. Quem sabe o Caminho de Santiago de Compostela?

Hoje caminhei literalmente nas terras dos Pataxós, estou na terra do descobrimento do Brasil. Há 6 km do Monte Pascoal. Caminhei descalça, com pé na areia e no mar, ao lado da minha companheira constante nos últimos cinquenta dias – Tieta, a cadela mais lindinha de Cumuru.

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