Eduardo de Ávila
Que incrível! Uma situação que deveria ser encarada como absolutamente normal, se transformou num grande feito entre nós brasileiros. Recebi cumprimentos e registros de parabéns! Não nego a ansiedade dos momentos que antecederam a data da minha vacinação, contava horas e minutos.
No dia, que foi 14 de abril passado, levantei cedinho. Tomei banho, me vesti como me lembrava de minha infância em dias especiais. Fosse de gala, como a parada do 7 de setembro, ou ir para a fazenda com papai. E sair de Araxá para conhecer Belo Horizonte e o Rio de Janeiro. Noite anterior mal dormida, mala e trajes especiais prontos, foi assim a quarta-feira.
Minha filha, que por tantas vezes dependia de minha presteza para passear, ir para a escola, médico e chorava quando recebia uma agulhada, agora tinha o papel de motorista e dona do carro pra levar o véinho para a imunização. Os papéis se invertem, atualmente nem tenho automóvel.
Ao entrar no carro, em traje de jacaré do papo amarelo – medida preventiva para uma eventual metamorfose anunciada por um crocodilo (ou troglodita) presidencial – cedi às sugestões de locais. Fafich, prédio histórico e símbolo da resistência dos anos de chumbo, ou drive-thru no Corpo de Bombeiros. Tanto faz, quero é vacinar, seja Coronavac ou AstraZeneca, aplicada no braço direito ou esquerdo, se for o caso no bumbum, quero é receber esse direito sagrado que todos temos. Foi enfim com agilidade e pela janela.
O gentil responsável pela agulhada, comemorando que o time dele venceu ao meu, foi rápido, atencioso e preciso. No momento que recebia o medicamento, enviei boas energias ao universo pedindo “vacina para todos”. A primeira dose é como se fosse o primeiro sutiã para as mocinhas e aos rapazes o primeiro beijo ou um sarro surpreendente e inesperado. A gente nunca esquece!
Contive a emoção com receio de desabar em choro – algo que me acontece tem mais de 60 anos – e voltei triunfante para casa. Antes, parei numa lotérica para tentar contaminar o dia com a sorte do jogo. Não deu! Como sempre, mas estou em processo de imunização contra a COVID. Ainda falta me livrar do bozovírus, esse vai passar com o antídoto da moralidade e seriedade.
De volta ao meu confinamento, postei nas redes sociais e comemorei aquele momento único neste mais de um ano de agonia. Fiquei emocionado com as reações, porém, confesso, os “parabéns” me causavam desconforto. Como podemos chegar a esse ponto. Ser vacinado, direito de todo cidadão, virar motivo de registro como uma conquista. Fim dos tempos. “Vacina, já”! Para todos!
Em meio a isso, seguimos contabilizando – entre todos os países do mundo – percentualmente, e até em números absolutos, apavorantes recordes de infectados e mortes pela COVID. O único no mapa que autoriza o poder econômico a comprar a vacina em prejuízo do sistema público de saúde. Nem falo dos infelizes fura-filas, alguns tomando soro (bem feito, coisa boa), em total desrespeito aos princípios morais de uma civilização. Tem parlamentar e ex-vice-governador que foi até senador. Vergonha!
Por falar em autoridade pública, estamos num triste lamaçal. Senador gravando conversa com presidente da República, que – por seu lado – diz coisas que ferem a liturgia do cargo que lhe foi confiado. Enfim, confio que tudo isso vai passar. Me faz lembrar tempos antigos e que se misturam com acontecimentos atuais.
Passou por Belo Horizonte, depois ganhou visibilidade noutros territórios, um caloteiro contumaz. Como todo moralista que se apresenta, sempre foi um canalha, mal pagador e hipócrita. Nascido noutro estado iniciou sua trajetória profissional aqui, onde sempre deu calote em restaurantes, boates, até em motorista de táxi. Sem dinheiro, naqueles tempos, não andava a pé. Ia para o trabalho de táxi e pedia ao motorista para esperar. Encerrado seu expediente, com o infeliz esperando a corrida que não foi paga, fugia pelos fundos pulando o muro.
Vai passar!