Os gregos jamais imaginariam que, com o advento da democracia, eventualmente teríamos de admitir pautas absurdas, como a obrigatoriedade do banho gelado, o veto à soneca depois do almoço e a redução do fim de semana.
Clístines, Sólon e Péricles, nem sob os silvos das lanças de Esparta, vislumbrariam carreatas nas ruas pedindo a intervenção militar com o Bolsonaro no poder e a reabertura de templos religiosos, quando a audiência nos cemitérios é de dar inveja em qualquer pastor da Igreja Universal do Reino de Edir Macedo. Pois são esses tipos esquisitos de manifestações que vêm passando em minha janela todos os domingos.
No último domingo, depois que mais uma carreata fúnebre passou – e o ar voltou a ser puro novamente, isto é, contando apenas com partículas de coronavírus suspensas, mas livre do cheiro de enxofre –, resolvi vestir uma máscara apertada e saí por aí. Fui fazer um estudo sociológico mas, eu não sabia, não haveria sociologia para ser estudada.
Nem uma vivalma encontrou esta alma perdida que vos escreve no caminho desértico que compreende um trecho de dois quilômetros de avenida Afonso Pena, partindo da Getúlio Vargas, até quase onde fincam os pés da montanha, na avenida Bandeirantes.
Colchões espalhados por todas as marquises aguardavam os seus donos para mais uma noite ao relento. Lixeiras reviradas em cada esquina indicavam que a fome passou por ali, como um furacão, espalhando embalagens plásticas, garrafas pet e copos descartáveis por calçadas e praças. E nem sinal de gente. Deve ser assim que as sociedades morrem e nascem as distopias.
Sempre fui louco por filmes distópicos e assisti a tudo o que pude, desde o antiquíssimo “Metrópolis”, do austríaco Fritz Leng, até “Blade Runner”, do incrível Ridley Scott. E agora sinto-me culpado por viver dentro de um filme desses, sem poder desligar a tevê e voltar para a minha vidinha sem grandes emoções, onde vírus mortais e governantes cruéis habitavam apenas o imaginário coletivo.
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