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A cama de casal

Tais Civitarese

Quando criança, meu local preferido de brincar na casa era em cima da cama dos meus pais. Era para lá que levava minhas bonecas, meus livros e até papel e lápis para desenhar. 

A cama estava sempre arrumada, coberta por alguma colcha. Algumas me espetavam e deixavam marcas em meu cotovelo, tal qual o relevo de uma trama de linha ou crochê. Outras, eram macias e feitas de um tecido encorpado. A minha preferida era inteiriça, mas tinha uma estampa como se fosse toda feita de retalhos, com um quadradinho de cada jeito, e um babado vermelho cheio de pequenas flores. Ficava um bom tempo olhando seus desenhos e vendo a partir de onde os quadradinhos iguais passavam a se repetir. Tinha capas de travesseiro com a mesma estampa e os mesmos babados. Neles, de vez em quando, eu me escorava enquanto meus pais trabalhavam fora. Estava sempre brincando ali, sozinha, ou com a minha irmã.

Quando adoecia, era lá que passava minha convalescença. Suava da febre, tomava remédio, assistia a desenhos, comia maçã e bolacha “água e sal”. O cobertor verde dos meus pais era muito mais protetor do que o meu. Somente de noite ia para o meu quarto, quando eles chegavam e reivindicavam seu leito.

Outro dia, me peguei estudando em meu quarto de hoje, sentindo o cotovelo incomodar. Eram as pequenas marcas da trama da colcha, adquiridas pela posição em que fico para ler, deitada de lado com os joelhos fletidos. E eram  marcas iguais às daquele tempo.

Vi-me novamente pousada num ninho. Como era o ninho em que pousava quando meus pais não estavam em casa. O coração da casa, a cama maior, a base no quarto mais iluminado. Estando ali, me ancorava à ideia que eu tinha de família. E vinha um sentimento de proteção muito grande, de segurança, de infinitude. O hábito permaneceu comigo.

Estou para comprar uma escrivaninha de estudos. Enquanto ela não chega, me pego, distraída, deitada de lado na cama para ler. Ali, mais do que um simples repouso, zelo também por alguma coisa. Como uma galinha que choca seus ovos eclodidos ou uma leoa que guarda o covil de filhotes que já correm o mundo. 

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