Os significantes da pandemia - Fonte: Pixabay
Outro dia um amigo me questionou pelo whatsapp: “Você está em casa?”. E eu respondi: “Estar em casa virou pleonasmo, meu querido”. Esse mesmo amigo me confidenciou que não vê a hora da pandemia passar para que ele possa, enfim, ficar em casa sem a obrigação de estar ali.
O interessante é que o momento nos coloca em situações de estranhamento, que às vezes se tornam cômicas. Depois de quase sete meses lavando as roupas em casa, ainda não consegui decifrar o mistério das meias que entram aos pares na máquina de lavar e saem sempre em número ímpar. Mais difícil é entender o milagre da multiplicação das louças na pia da cozinha.
Além de transformar as nossas rotinas e realidades, me dei conta, há poucos dias, de que a pandemia está transformando a linguagem, o simbolismo e o sentido das coisas. Para mim, não há significante de maior magnitude desta mudança do que a máscara. Eu e meus colegas já escrevemos aqui sobre elas, mas vejam a que ponto chegamos.
Hoje em dia, alguém “mascarado” deixou de ser um sujeito dissimulado ou inautêntico e passou a ser sinônimo de empatia e responsabilidade por mostrar alguém que segue as recomendações científicas de saúde pública e está preocupado com o bem-estar da coletividade. Daqui a pouco será visto como um “bom partido”. As mães dirão em breve: “Minha filha está namorando um mascarado, tomara que dê em casamento”.
Uma amiga me disse outro dia que seus netinhos, de um e dois anos de idade, quando veem a avó pegar as máscaras deles, de imediato estendem seus bracinhos em direção à ela, pedindo para passear. Efeito do condicionamento operante: já associaram a máscara com a saída de casa. Isso me lembrou das aulas de psicologia experimental e comportamental quando “ensinávamos” os ratinhos, na caixa de skinner, a puxar a alavanca para conseguir beber água. Coitados dos netos, dos ratos e da infância, que terá de ser reconceituada em breve por causa da pandemia.
Outro dia, descendo pelo elevador do meu prédio, parei no sétimo andar. O vizinho abriu a porta, olhou para mim, fez que ia entrar, recuou e disse: “Vou no próximo”. Imediatamente constatei que havia me esquecido de colocar a máscara. Sob aquele olhar fiscalizatório e de censura, experimentei uma das sensações mais estranhas dos últimos tempos. Parecia que eu estava nua. Senti tanta vergonha que pareceu que não eram meu nariz e boca que estavam expostos, mas sim as minhas partes íntimas. Cubri as minhas “partes íntimas” com a ajuda da gola da blusa e da minha mão esquerda durante o longo percurso de volta ao décimo andar, onde reavi a máscara e pude, então, recuperar a minha “decência”.
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