Dona Maria nos foi indicada por uma amiga, também moradora do mesmo prédio, na Tijuca, bairro da zona norte do Rio de Janeiro, onde morei por sete longos (e quentes) anos! Fazia tempo que eu buscava uma pessoa caprichosa que passasse toda a nossa roupa a fim de poupar a Fafá que fazia os demais serviços da casa.
O apartamento não era grande, mas com duas crianças ainda pequenas, o trabalho triplicava e a prioridade era sempre os garotos. O mais velho, com quatro aninhos, já estava no jardim, no período da tarde. O menorzinho ainda se beneficiava da minha licença maternidade e mamava a cada duas horas!
Dona Maria era o bom humor em pessoa. Chegava sempre alegre, permanecia cantando e rindo muito e se despedia com o melhor dos sorrisos prometendo voltar na próxima sexta-feira. Nunca a ouvi reclamar de nada: se houvesse muita roupa ou se houvesse muitos forrinhos de crochê para engomar, as várias saias de seda, pregueadas – preguinhas passadas uma por uma!
Acertamos o salário, o intervalo para o descanso, a limonada – por causa do calor infernal (do inferno mesmo) – e um pouco mais para que ela também guardasse a roupa enquanto Fafá buscava o Léo na escolinha, a alguns quarteirões de casa. Todas as refeições eram feitas, à mesa, conosco.
Eram divertidas as histórias que Dona Maria contava… grandona, gordinha, forte, mulher brava capaz de desafiar o marido magrelinha que bebia muito e que apanhava quando chegava em casa trocando as pernas, nas madrugadas de sábado. Cada história mais divertida do que a outra. Enquanto passava as últimas semanas em casa, amamentando o Gui, eu a esperava para tomarmos o café da manhã: ela, Fafá e eu. Almoçávamos juntas e juntas nos deliciávamos com o café da tarde e a broa de fubá com queijo que Fá, como boa mineira, sabia fazer como ninguém. Era esta a nossa rotina de todas as sextas-feiras.
Um dia ela se atrasou… chegou, tocou a campainha, entrou direto para o quarto da Fá e voltou poucos minutinhos depois. Nada perguntei por que não achei nada demais. Logo após o almoço, estávamos no cafezinho quando ela me entregou um pacote! Mas nem é meu aniversário, exclamei. Abra com cuidado, dona Rosa! Desfiz o lacinho de fita vermelha, desembrulhei o papel verde, cheio de estrelinhas coloridas e me deparei com várias e várias camadas de jornal.
Ao final de tudo encontrei uma sopeira de louça branca, com a tampa toda recortada, debruada em dourado e com florais em diversos tons de rosa. Fiquei maravilhada com a delicadeza daquele gesto que não precisara de motivo especial. Fiquei encantada com a peça única que acabara de ganhar, uma peça antiga, com mais de cinquenta anos. Fiquei emocionada com o presente e quis saber o porquê do agrado!
– Esta sopeira me foi dada pela minha sogra, a mãe do Heitor, quando ele pediu minha mão em casamento. Foi presente de noivado. E olha que era coisa muito antiga. Ela, a minha sogra, havia ganhado da mãe dela, que por muito tempo guardara aquela preciosidade. – Muito me recomendou que cuidasse bem da sopeira; era de estimação, de muita estimação. – Quando me separei do desinfeliz, separamos também o que ficava para mim e o que ficaria para ele. Aceitei tudo sem reclamar, mas a sopeira foi motivo de briga… só que eu ganhei!
Era muito brava a Dona Maria… E desde então, a sopeira ficara embrulhada em jornais e numa fronha velha durante mais de doze anos, até que encontrasse alguém que cuidasse da sopeira tanto quanto ela cuidara: eu. Ela sabia o quanto eu adorava uma velharia, móveis, tapetes, objetos de decoração, brechós, tudo! E achou que eu daria o merecido valor àquela sopeira tão preciosa. Ela bem que sabia.
Na semana seguinte, já bem lavada, com rodelinhas de feltro nos pezinhos de louça, a tampa majestosa com seu puxador dourado, lá se foi a sopeira para um lugar de destaque na minha cristaleira (antiga). Na sexta-feira, quando Dona Maria chegou, ficou admirada ao ver tudo arrumado: coloquei de cada lado da sopeira pequenos vasinhos de violeta cor de rosa, com lacinhos da mesma cor! Que belezura… e ainda deixei um paninho de crochê para que ela engomasse e depois colocasse sob o encantador presente.
À tarde, quando já terminara de guardar a roupa passada naquele dia, ela pediu para ir de novo até a sala. Parou diante da cristaleira, balançou a cabeça, para um lado e para o outro, respirou fundo, olhou para mim e disse: obrigada, dona Rosa. – Mas como assim, quem deve agradecer sou eu! Amei o presente e vou levar sempre comigo, para onde eu for. Nos abraçamos e uma lagriminha teimou em descer pelo meu rosto. Nos emocionamos, cada uma pensando em sua própria história com a sopeira: ela e eu!
Ontem, passados mais de trinta anos, ao limpar minha nova cristaleira, morando em outro estado, vivendo um outro relacionamento, longe dos filhos já crescidos, aposentada depois de décadas de trabalho e com diversos outros interesses, deixo cair e quebrar a tampa da sopeira. Dona Maria, isto não poderia ter acontecido! Fiquei olhando para o chão, cheio de cacos de louça sem acreditar; como foi que a tampa me caíra das mãos? Sempre tive tanto cuidado. Que pena, que triste fiquei. Não havia a menor possibilidade de tentar colar os pedacinhos – há coisas que uma vez quebradas não se restituem nunca mais. Dona Maria, que triste estou… Ainda que eu continue a usar como floreira, a parte de baixo, não mais cumprirei a promessa que lhe fiz de guardar até a morte a sopeira que foi sua.
Chorei com vontade. Por tudo que nos aconteceu nestes anos longe uma da outra. Chorei de saudades de uma pessoa que, por algum tempo, fora tão significativa em minha vida e de quem nunca mais tive notícias ao longo deste tempo todo vivendo fora do Rio. Chorei por ter, de agora em diante, apenas a metade da sopeira; mas ando praticando o desapego, que isto me sirva como aprendizado. Cuidarei com muito carinho da floreira de louça. Farei lindos arranjos, com flores cor de rosa e, toda sexta-feira vou me lembrar da senhora, Dona Maria.
Prometo… prometo!
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