Um gesto aparentemente corriqueiro do fazer. Simples, banal. Um ato de cuidado frente às lágrimas que escorrem na face, às vezes tímidas como gotas, às vezes com a força de barragem rompida. Não, já não posso estender a mão com a caixa de lenços de papel. A Covid me negou até este gesto.
Pode chorar, mas não posso te oferecer os lenços. O que tenho é a minha presença na forma de olhar atento, de silêncio compreensivo, de palavras certeiras através da tela. Tenho a ética do cuidado, mas lenço, esse não posso. Antes de entrar na vídeo chamada da sessão virtual, providencie os seus. Pode ser até mesmo um rolo de papel higiênico. Guardanapo também serve.
O virtual modificou completamente o meu trabalho. As sessões agora “prescindem do corpo”, do olho no olho, do contato físico na entrada e na saída. A voz nunca foi tão importante. A noção de “presença” precisa ser reavaliada com urgência.
Respeitando os preceitos de combate e prevenção à crise sanitária atual, o Conselho Federal de Psicologia – CFP, regulamentou definitivamente esta modalidade de atendimento. Porque sim, esse suporte nunca fez tanta falta. Os efeitos do isolamento social e da quarentena prolongada transformaram o acompanhamento psicológico online em recurso fundamental para atenção em saúde mental.
Os riscos reais e imaginários do viver. Os sofrimentos e as perdas individuais e coletivas. A privação de rituais de despedida. Os lutos complicados. As transformações no mundo do trabalho. O estresse e as incertezas em relação ao futuro. A ruptura com o cotidiano presente. As questões de foro íntimo, já passadas, que agora precisaram ser olhadas através da lupa da pandemia.
Eu tinha muita resistência em fazer essa migração para o virtual, já havia feito em regime de “exceção”. Mas, com a urgência imperiosa do distanciamento social, agora grande parte dos atendimentos são virtuais. E confesso, a experiência tem sido rica e tem muitas vantagens. Agora presto socorro até em terras “além mar”.
Algumas pessoas não se adaptaram a psicoterapia virtual, muitas por dificuldade de conseguirem um momento de privacidade em casa; outras, por preferirem mesmo a minha própria caixa de lenço.
Às vezes acho que a tela favorece a intimidade, alguns pacientes se sentem “protegidos” atrás dela, ficando mais à vontade para se abrirem e fazerem revelações às vezes intimidadas pela presença no real. Talvez esses nunca venham a receber o meu gesto no presencial e optem por continuar online.
Gosto de pensar que no “novo normal”, não tem isso de oposição entre o que é “real” e o que é “virtual”. O virtual e o presencial são partes integrantes da nossa “nova subjetividade”. Ambos são dimensões indissolúveis do nosso “novo real”.
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