Taís Civitarese
Mamãe resolveu sair de casa. Veio me pedir um tipo de permissão. Consenti. Ela não aguenta mais ficar presa. Fico maluca de pensar que ela pode estar ficando maluca de não ir a lugar algum.
Semana passada, meu avô agradeceu por ter ido ao dentista. Sinal de que o mundo está realmente um tanto quanto estranho…
No início, não me importei de ficar em casa. Tinha sido obrigada a apenas fazer o que sempre fiz. O que sempre amei e preferi fazer sobre todos os programas da Terra. Gostei de resolver as coisas à distância. De não ter que sair aos sábados à noite. De não ter compromisso algum aos domingos. De poder ler e ficar quieta, ainda que cercada pela agitação da minha família.
Porém, até para a idosa ermitã incorporada em mim no século atual, a vida doméstica mostrou seu limite. Eu não sabia disso. Mas entendi. Essas paredes bege não podem ser nosso único horizonte. Até para ler e imaginar é preciso referências. Como vou pensar no verde se já ando esquecida das suas matizes? Céus, e as pessoas? Que falta faz um amigo, uma conversa. Sempre soubemos disso, mas dessa vez, teremos certeza.
E a tal da aglomeração, que sempre abominei, já venho desejando, um pouco disfarçado de mim mesma.
Não poderei negar essa saída a minha mãe porque não tenho mais forças. Por mais que saiba que o certo é ficar, qualquer palavra que eu lhe disser soará pouco convicta e vazia. Nem ela nem meu pai tem visto o olho da rua. Todo esse tempo.
Porém, já chega.
“Vá de máscara. Leve seu álcool. Tente não encostar em nada. Ao voltar, tire os sapatos na porta, lave a roupa e tome banho. E lembre de lavar os cabelos! Desinfete qualquer objeto que trouxer de fora. E prenda a respiração dentro do elevador”.
Antes, eu achava tudo isso mortificante. Hoje, considero o melhor caminho que nos conduz de volta à vida.
Ótimo texto, gostei muito! É interessante que aconteceu o caminho contrário: sua mãe lhe pedindo ” permissão “. Que coisa afetuosa! Eu também estou despertando para essa novidade: a de que é quase impossivel manter minha ausência física do mundo por muito mais tempo. Me sinto esgotada de estar o tempo todo em casa! Vou pedir pra minha filha.
Perfeito, Tata! Descreveu com sua afiada percepção o estado de ânimo que já vem crescendo dentro da gente nesse tempo de reclusão. Não podemos prolongar por muito tempo a espera de o perigo passar. Viver é perigoso e sempre será. Um perigo acaba e outro aparece. Nunca sabemos de onde e de que forma ele virá. Melhor aprender a enfrentá-lo.
Ah, e obrigada por me dar permissão pra sair.
Beijo
Mamãe ❤️