Outro dia, uma amiga me disse que estava com a sensação muito forte de que a cidade “estava descansando”. E eu concordei. O mundo está se desintoxicando dos excessos, pensei. As manifestações da mãe natureza evidenciam isso. E as vibrações do nosso lado de dentro também.
As conversas com as pacientes e amigas que são mães vêm unânimes: a rotina em casa está sendo puxada, mas é um privilégio poder conviver de perto com os filhos e participar diretamente do desenvolvimento deles. “Nossa, quantas aprendizagens eram delegadas, terceirizadas”. Coisas que a gente perde por falta de tempo.
Eu mesma assisti, na semana passada, a um teatro doméstico dos três porquinhos, que foi realmente imperdível. E olha que eu vivia convicta de estar num bom ritmo de vida. Hoje, percebo o quanto de equilibrismo precisava fazer para caber tudo nas 24 horas do dia.
Este tempo todo de isolamento me mostrou que ainda posso e devo desacelerar mais, simplificar mais, consumir menos, me exercitar mais, fazer diferentes escolhas, ter uma vida mais sustentável, mais saudável e com um pouco mais de sentido.
O exercício de se cozinhar em casa foi uma pequena grande revolução. É cansativo, mas gratificante. Posso contar nos dedos às vezes que pedi delivery. Geralmente, a comidinha é bem simples: arroz, feijão, salada. E, em transição vegetariana, alterno ovos e cogumelos. Desperdiço menos comida, aproveito mais os “restinhos”, consigo manter melhor o estoque da geladeira. Bebo mais água, como mais frutas.
Depois do almoço sempre tem espaço para um pedaço de goiabada com queijo e um cafezinho. De vez em quando, cabe até uma sonequinha. Outro dia, cumprindo meu plantão presencial no trabalho, comi uma tortinha de alho poró. Azia e queimação até de madrugada. “Meu corpo não aceita mais comida que não é de casa”, pensei. Essas coisas que a gente consome por falta de tempo.
As unhas são outro exemplo. Vivia com elas muito bem feitas, bonitas, longas. Orgulhava-me delas. Sempre me disseram que tenho mãos bonitas. “Mãos de pianistas”, dizia meu pai, embora eu nunca tenha passado do “Parabéns para você” no teclado. O fechamento dos salões de beleza somados à minha inabilidade no campo de manicure e às constantes pias de louça suja me fizeram decidir por assumir, temporariamente, as unhas bem curtas, aparadas no toco. Uma pequena libertação, para falar a verdade.
Na semana passada, fui ao centro da cidade resolver um monte de pendências “ajuntadas” para aproveitar a viagem. Comprei artigos de informática e de elétrica que precisava para pequenos reparos. Mandei colocar as gravuras argentinas na moldura. Coisa que a gente adia por falta de tempo.
Também comprei tiras de borracha para reparar uns chinelos que tinham sido roídos pela cachorra. Antes, quando eles eram usados como petiscos caninos eu os dispensava diretamente no lixo. Antes, eu “preferia” comprar chinelos novos. Pois, não é que encontrei as tais tiras, dourada e preta, exatamente como as originais, e ganhei dois pares de chinelos praticamente novos?! Coisas que a gente descarta por falta tempo.
O vírus não sabe, nem imagina a sua potência na reinvenção e ressignificação do nosso cotidiano. Sem intenção, ele vem provocando mudanças de cunho apocalíptico na nossa percepção da rotina, do cuidado, das relações, do tempo e do espaço. Ele vai desbastando, camada a camada, até restar somente o essencial. Quem viver, verá onde isso vai dar.
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