Paranoia, cuidado e relaxamento

Eduardo de Ávila

Já estou beirando três meses de confinamento (hoje, exatos 86 dias). Jamais imaginei em minha vida agitada passar tanto tempo em prisão domiciliar. No início da minha adolescência, entrei em pânico com uma hepatite, condenado inicialmente em 25 a 30 dias de repouso.

Fiquei três ou quatro meses, exatamente pela minha resistência em aceitar essa prescrição médica. Quem tiver facebook e curiosidade, entre no meu e veja um post a respeito disso, do último dia 3 de junho. Carta do meu pai, em 1972, referindo-se a essa minha inquietação.

Pois, agora, aos 62 anos (bem vividos e ainda bastante saudável) cá estou eu, cumprindo essa condenação não judicial. Nenhum de nós tem culpa pela epidemia, ou talvez todos sejamos responsáveis sim por essa fase de reflexão coletiva – mas de maneira individual – que estamos vivendo.

Uns dizem que vamos sair melhores e renovados, sem as rusgas pessoais e de grupos. Alguns não têm essa mesma confiança. Fato é que todos querem de novo ganhar às ruas e a convivência. Que estejam certos aqueles que confiam num mundo mais justo, equilibrado e solidário.

Mas, durante esse período, já pude – e cada um ao seu modo também vem experimentando – ter reações e leituras sobre o isolamento, limitação, impotência, medo, insegurança e todas essas condições que até então não nos preocupava.

Na minha pessoal, já experimentei muito do que não imaginava. Nunca lavei um copo. No primeiro mês, fiquei completamente sozinho em casa e lavei louça todos os dias. Só quebrei uma asa de xícara, um copo e os meus óculos de cabeceira. Saldo positivo para um neófito.

Depois, devidamente autorizado pelo infectologista, a moça que organiza minha casa de homem solitário, começou a vir uma, duas, três vezes por semana e agora diariamente. Como ela fica aqui pouco tempo, durante sua permanência comecei – por ordem médica – a fazer caminhada pelas ruas no entorno da minha casa. Ando praticamente no meio da rua, fugindo de cruzar com pessoas. Pareço um astronauta com tanta proteção, mas a barba me condena.

Quando volto pra casa é uma mistura de comédia e loucura os cuidados para a acomodação. Entro pela área de serviço e ali início o processo de despir todo e limpar os tênis com álcool. Deixo a roupa toda no tanque com água sanitária. Um chinelo, previamente esperando, me permite ir até o banheiro. Daí uma demorada e caprichada ducha para evitar que esse bichinho permaneça em alguma parte do corpo. A barba merece atenção especial.

Leandro Couri/EM D.A.Press

Voltando, aparentemente, à normalidade, passo a me ocupar e priorizar meu home office. Estou achando interessante, trabalho sem pressão e a produtividade é maior. Ainda preparo posts para este blog, o outro que faço de futebol, algumas postagens desabafo no face, faço exercícios de alongamento e respiração.

Mas, em meio a isso, a paranoia ataca. Toquei com a mão no teclado do computador: álcool nele, também na garrafinha plástica do próprio álcool. E o teclado do micro-ondas, o botão da trempe do fogão. E a própria mão, coitada, já não aguenta mais tanta água. Lá vou eu lavar a mão pela enésima vez no dia. Os dedos ficam enrugados.

Na sequência lavar a torneira. E o celular eu já passei álcool, mas não tirei a capinha, daí recomeça todo o procedimento. E limpa também a superfície onde coloquei cada objeto. Ah nem, me pega logo coronavírus. Mas não me mata, só me deixa imune dessa sua ameaça. Brincadeira quero não. Vapooo!

Quando consigo me acalmar, o filme da minha caminhada começa a passar na cabeça. E me vêm às imagens de tanta gente descuidada. Naquela obra aqui perto, os operários reunidos – ninguém com máscaras – e todos a poucos centímetros uns dos outros.

Na casa lotérica, onde fui fazer uma fezinha, interessante. Tudo muito bem organizado, pessoas distantes umas das outras, mas a maioria com as máscaras no queixo, na boca, na orelha (tem um que já o vi diversas vezes, a sua fica pendurada até cair nos ombros), na testa, poucos como determina a recomendação. Quando eu era jovem, era chique fumar. Depois virou cafona. Agora é terrível alguém sem máscaras. Um marginal!

Corro de novo para o banheiro, lavo as mãos e dou outro trato na barba. Com isso, permito outra vez a paranoia me atacar. E quando dou uma tossida, ou espirro, se o nariz tem uma mínima secreção, dor no corpo. E quando o olho coça. Até enxergo o minúsculo, ordinário e imperceptível vírus no meio das lágrimas.

Já me sinto acometido desse mal e começo a imaginar os dias de UTI. Daí meço a pressão, constato que está tudo bem e volto à normalidade. Vou seguindo enclausurado, embora domingo tenha me permitido ir a uma manifestação de rua, todos a dois metros de distância um do outro.

Sigo sonhando em ir à cafeteira, cinema com telão e aos jogos do meu time do coração. É todo o meu desejo. Nada mais!

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  • A ciência poderá ter encontrado a cura para a maioria dos males, mas não achou ainda o remédio para o pior de todos: a apatia dos seres humanos.
    Apeguemo-nos ao colarzinho com predrinha de cânfora para carregarmos no pescoso.O impirismo às vezes salva, quem sabe!

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