Qual Futuro esperar?

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Sandra Belchiolina
sandra@arteyvida.com.br

Entrei em quarentena após os primeiros casos de COVID-19 aparecerem no Brasil, há quase dois meses. Nesse tempo, escutei coisas e tenho vivenciado momentos que até o final de 2019 pertenciam apenas a filmes de ficção. 

No Brasil temos uma pandemia e um pandemônio – conforme gostam de definir esse desgoverno. Um real assustador! Dentro desse contexto, o que acontece conosco, seres humanos trabalhadores e comuns? Como será o futuro? Ainda não sabemos, mas nada será como antes. O que se diz normal é a própria patologia da civilização, portanto, são desejadas novas formas de viver em sociedade.

Foi-nos imposto esse pequeno/grande parêntese em nossas vidas. Um novo labor é esperado desse caos. 

Para amenizar o isolamento, as redes sociais e aplicativos de interação contribuem para a manutenção dos laços sociais na família, trabalho e amizades. 

A comunicação on-line mostrou, nesse momento, sua importância. Mas tem-se como agravante do momento o stress emocional; a rotina “roubada” e a necessidade de enxergar esse real que coloca o ser humano e seus afetos em cheque. 

O coronavírus veio nos mostrar, mais uma vez, que o ser humano não consegue domar a natureza. Ela irá manifestar-se contrária a sua organização quando estiver em desequilíbrio. Invadirá seus propósitos e colocará a sociedade numa nova elaboração social. Inclusive, aquele que a nega – com o real não se discute, ele irá nos marcar.

No contexto pessoal, muitas e importantes reflexões, elaborações ou saídas acontecem. 

Descreverei uma experiência pessoal. 

Estou confinada na casa de minha filha e somamos quatro. Além dela, meu genro – em home office – , meu neto João e eu. Escolhi estar aqui para ficar perto do aconchego deles e ajudar com as brincadeiras e afazeres do João.

Ele com três anos é um menino esperto. A ida para escolinha já era parte de sua rotina. Ali era o momento de compartilhar com os amiguinhos as brincadeiras e partilhas de experiências. 

O ambiente onde estamos é integrado à natureza e a casa também possui um quintal. Há muitas possibilidades para brincadeiras por aqui. O que percebo é que, mesmo assim, somos rodeados de vez em quando por certa tensão.

Há dois dias, convidei João para brincarmos de colagem. Iriamos recortar revistas antigas e colar numa caixa grande que poderia ser utilizada para guardar seus brinquedos. 

Essa era a intenção romântica da avó. 

Pegamos quatro revistas, duas femininas – que falavam sobre moda – e duas da editora Isso É. Escolhidas ao acaso, além de cola, tesoura e a caixeta.

Levamos tudo para o quintal para aproveitar o solzinho sagrado da manhã. Distribuo o material no chão e mostro ao João o que vou fazer para que siga.

Posiciono a tesoura para cortar a primeira gravura. Escuto um não. Continuo com a inocência de uma avó. – Assim, João… – e, corto a figura. 

Um choro compulsivo. João ficou inconformado com o pedaço que tirei da revista. Não queria saber do corte. A avó, mesmo assustada, soube imediatamente que aquilo estava na ordem do psíquico. Recuei, claro!

Queria brincar com o netinho, somente isso. E ainda insistindo num pensamento de avó: é só uma brincadeira. Na verdade, não dá para ser inocente em certos momentos. Melhor parar e ver o que está acontecendo.

A solução foi propor que a figura (um carro) voltasse para revista. Um tubo de cola foi gasto na tentativa se reintegrar aquilo que já estava marcado pela rachadura, pelo incompleto.

Depois da tempestade e do estresse daquilo que deveria ser somente uma ingênua brincadeira, ficaram claras duas manifestações que dela emergiu.

A relutância do João com aquilo que é dividido e/ou separado. Momento importante para o psiquismo de uma criança de sua idade e a dificuldade de aceitar isso. 

A segunda é irônica, para não ser trágica. João pegou as duas revistas Isto É que estampavam – cada uma – o rosto de homens. Uma com o do Lula e a outra com o do Sérgio Moro. 

Reconheci, na inocência inicial de uma avó, que não dá para forçar uma situação onde algo está fora do controle. Como já atendi crianças na minha clínica psicanalítica, sei que a brincadeira fala, e é melhor buscar outros caminhos para o alento das crianças quando esbarramos em algo que pertence somente a elas. 

Vi, também, o que estava presente na pretensa brincadeira. Queria fazer picadinho de uma velha política. Transformá-la!

E a pergunta mantém: que mundo nossas crianças viveram? Qual futuro esperar?

*
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Sandra Belchiolina

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