Todos foram embora. Não tem mais ninguém por lá. Todos foram para casa, fugindo da peste.
Ela chega em casa afoita. Enfia a chave na fechadura da porta dos fundos. É por lá que tem entrado desde que o risco de contaminação se espalhou.
Ela tiraria o keds e passaria solução de água sanitária nas solas. Tiraria ali mesmo a roupa do trabalho e colocaria direto na máquina de lavar roupas. Selecionaria o ciclo longo, que lava a 60 graus. Segundo as pesquisas, temperatura letal para o vírus.
E, em seguida, lavaria as mãos com bastante água e sabão, na duração de dois “parabéns para você” e reconheceria sua tendência ao transtorno obsessivo-compulsivo. Colocaria a roupa de ficar dentro de casa.
E lá naquela casa, que é ninho, um pequeno núcleo atemporal e indestrutível de amor, poderia, enfim relaxar, ser dona de seu próprio tempo.
Lá experimentaria toda a segurança do cuidado e o risco do amor. Sim, aquela casa, daquele jeito esquisito, é aconchego, abrigo, felicidade.
A casa se tornaria fonte de inspiração, de criatividade. E, contrariando todas as tendências, o tempo, que deveria passar mais lento naqueles dias de quarentena, estaria mais acelerado para ela, evidenciando a urgência da vida debaixo daqueles olhos, ora tranquilos, ora angustiados.
A casa seria um convite ao afeto e à introspecção. À leitura, à escrita, à composição. Ela seria um breve retorno no tempo, alguns anos atrás, talvez décadas. Um resgate de conexões perdidas. A música tocaria o tempo todo.
Ela subiria na cadeira roxa e acessaria, no maleiro, suas linhas, agulhas e tramas. E, repetindo um ato feliz de sua mãe, ensinaria sua filha a arte e a paciência do bordado. E a pequena garota iria se encantar. E ficaria, por horas, sem perceber o andar do relógio, “x” por “x”, bordando cachorros, flamingos, unicórnios.
A cozinha seria espaço de alquimia e experimentação. Ela se encheria dos mais diferentes cheiros, aromas e temperos. Pastéis, bolos, gelatina, estrogonofe, massa com camarão. Depois, o cheiro de cloro viria, penetrante, lembrando-a da necessidade imperiosa da assepsia.
Mas a chave não gira, a fechadura não abre. Passa alguns instantes forçando a volta, certificando-se que não há outra chave pelo lado de dentro. Não, não há. Há algo estranho e diferente. Olha para seus pés e não encontra o capacho marrom. Olha para a porta do vizinho e sente a falta do “Welcome” no tapete. Olha para cima e vê a plaquinha indicando “804”. Casa errada.
Ri de si mesma. Sabia que a história de apertar o botão do elevador com os cotovelos não ia dar em coisa boa.
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