Quem gasta sola de sapato nas ladeiras de BH sabe que os postes de rua dão a falar com a gente. São especialmente falantes os que eu encontro no caminho de casa após o batente.
— Quer ganhar dinheiro?
Passo reto e finjo que não é comigo. Ora essa. Nada na vida é de graça, o meu pai já dizia. Mais tarde, aliás, o filósofo Adam Smith adaptaria ao bom inglês: there´s no free lunch (não existe almoço grátis). E se tornaria o pai da economia.
— Trago o seu amor de volta em cinco dias.
Dou de ombros, passo reto e finjo que não existo. Ora essa. Vê lá se alguém pode voltar quando nem se foi. A frase é ruim e não encontra referência na filosofia. Mas faria de mim um escritor de crônicas.
E assim vou eu. Andando e deixando os postes de rua falando sozinhos sobre fortunas e amores não tão afortunados assim.
E não é que um fim de tarde desses, me peguei conversando com um poste de rua? Pois me tomaria por um lelé da cuca quem ia passando e visse aquela cena. Ocorre que nada mais importava além da história que eu atentamente ouvia.
Lolla era o papagaio falante e a melhor companhia de um velho sozinho. Todos os dias, faltando pouco para bater o relógio das seis horas, Lolla descia do poleiro para empoleirar no ombro descaído do velho amigo.
Era uma conversa estranha a conversa daqueles dois. O velho dizia palavras soltas, e Lolla as repetia. Assim passaram-se muitos anos: ele dizia, ela repetia. O que redundaria numa verdadeira e sincera amizade repetitiva.
Um dia Lolla se cansou. Empoleirada no ombro amigo, avistou uma nuvem passando pertinho do céu e pegou carona. Quando o velho deu conta, o papagaio embarcara no bonde de algodão que rapidamente trilhou o infinito celeste.
Era o fim da linha para os dois. Lolla foi-se embora e não deixou uma pena para contar história.
Desde então, o velho chora todas as tardes a falta dela. E pediu ao poste de rua que avisasse quando alguém a visse por lá. Mas ninguém nunca mais a viu por ali.
— Lolla fugiu — contava-me o poste da rua, iluminando o chão com uma luz fraquinha de tristeza.
Expliquei a ele que não, que as aves não precisam fugir. Elas são a própria liberdade disfarçadas de bicos e penas e cantos e palavras repetidas.
Às vezes elas se cansam e vão embora. Misturam-se ao céu. Lá de cima, riem de nós, seres limitados com pés no chão. E fazem cocô na cabeça da gente.
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