Uma vez, minha tia perdeu tudo na enchente. Ela morava no sul de Minas, de frente para um rio. Em um janeiro como esse, choveu tanto na cidade que o rio transbordou.
A água foi entrando devagarzinho em sua casa e, de repente, já estava para mais de metro do chão. Ela e meu tio colocaram tudo o que puderam para o alto e enfrentaram a enxurrada para conseguir escapar. Foram abrigados por parentes.
Mais tarde, voltaram lá para constatar os destroços. Eles tinham perdido tudo. Móveis, roupas, aparelhos eletrônicos. Quase nada se salvou.
Lembro de ir à casa deles meses depois e observar, na pintura da fachada, a marca marrom de até onde a água tinha subido.
Era bem acima da minha cabeça e pouco abaixo da altura do meu pai. O trauma dessa enchente perdurou na nossa família durante muito tempo.
Os riscos sofridos por eles, a rapidez com que tudo aconteceu. Passaram-se anos e cada vez que o jornal noticiava inundações, vinha aquela lembrança sombria do que pessoas queridas tinham vivido e a vontade de que nada parecido nunca mais ocorresse com ninguém.
Na época, todos os irmãos de minha tia – e eram cinco – se uniram para ajudá-la. Alguns deram um novo fogão, outros, uma nova geladeira. Minha mãe comprou um sofá e até minha avó cedeu-lhe sua televisão.
E isso é mais ou menos o que temos que fazer agora. Os tios, filhos, pais e irmãos de alguém continuam passando por isso. Talvez não tenham tantas pessoas próximas que possam lhes estender as mãos. Sejamos essas pessoas.
Sejam as intempéries fruto de erros acumulados ao longo de décadas, mau planejamento urbano, acaso ou vingança da natureza, de imediato, só temos uma coisa a fazer: ajudar.
Não há catástrofe que lixivie a força da solidariedade humana. À exclusão das perdas irreparáveis de vidas, diante de tantos bens perdidos nas águas, talvez seja esse um bem maior que ressurge e emerge, lembrando-nos do que realmente importa e ainda (que) extremamente solúvel.
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Olá Taís. Gostei muito do seu texto. Ás vezes gosto de alguma coisa sem conseguir explicar bem porque foi que gostei daquilo. Minha filha qdo passeava comigo pelas ruas e cafés das cidades costumava me dizer porque eu havia gostado muito disso ou daquilo, se eu perguntasse a ela. Ela tinha entre dez e doze anos. Ela percebia o que me encantava naquela rua ou naquele quadro abstrato. Escrevi isso tudo pra lhe dizer que gostei do jeito do seu texto. Eu arrisco a enumerar duas coisas que ela poderia me dizer, caso eu perguntasse por que vc acha que gostei desse texto? Ela talvez dissesse que um, pela simplicidade sem afetação do texto e que dois porque vc lembrou de sua mãe, grávida da filha mais velha, que passou faz tantos anos pela mesma situação da casa abandonada às pressas porque estava cheia de água. São duas coisas simples no seu texto Taís: a construção dele e minha mãe. É isso que um texto literário traz pra gente. A possibilidade de descobrir nossas entrelinhas e emoções. Parabéns. Agradeço pelo delicado texto. Contunue. Continue. Bjos. Lourdinha
Oi, Lourdinha!
Fico muito alegre por você ter gostado do texto! Obrigada! Apesar de ser uma história triste e real, fico honrada por ela ter evocado memórias e emoções ao longo de sua leitura. Seu comentário é um carinhoso incentivo! Você falou algo que penso igualzinho: a escrita e a leitura são uma possibilidade de encontrar nossas emoções e entrelinhas. Um grande beijo! Obrigada!