Foto: FeeLoona – Criança
Taís Civitarese

Fazia muito tempo que eu não chorava. Não por falta de necessidade. Talvez fosse falta de chance de me conectar com as emoções e de senti-las à profundidade.

Sempre havia algo a se fazer, um horário para cumprir ou distrações… 

Hoje, não tive saída. Assistindo a um filme com meus filhos, debulhei-me sofregamente lágrimas! Lembrei de quando vi “Cinema Paradiso”.

Passava de madrugada. Foi tanta emoção naquelas cenas que fui para a escola no outro dia de rosto desfigurado.

Meus amigos perguntaram se algo grave tinha acontecido. Para mim, era gravíssimo viver epifanias da adolescência. No entanto, na hora, inventei algum motivo…

Dessa vez, foi parecido. O filme não era triste. Ainda assim, assustei minhas crianças com as fungadas. Sem ter aula amanhã, deixei doer. E doeu. Doeu muito. Doeu tudo o que estava anestesiado há muito tempo.

Verti nessas lágrimas um pouco das dores que nem sei nem de onde vem. E algumas que eu sei. 

Uma delas é a dor pela passagem do tempo. Pela perda do papel de mãe de crianças pequenas que eu exercia anteontem. Pela saudade do minuto que acabou de passar e de tempos e vivências que não voltarão.

Nisso, vai também um quinhão de tristeza alegre. Sei que esses são dias preciosos em minha vida. Dias de conviver com meus meninos…

Quando mais jovem, escolhi uma profissão que amava e dediquei a ela tudo o que pude. Ao me tornar mãe, algo puxou minha perna. Não foi a responsabilidade.

Tampouco, a vocação ou um sonho maternal premeditado. Foi um tipo de alegria única que sentia na presença dele, e depois, deles. Uma inundação de amor que virou a vida a avesso, trazendo e resolvendo todas as dificuldades.

Mais tarde, foram também as coisas engraçadas que eles falam. A fofura do toque da sua pele. A beleza de sua inocência. Tudo o que me ensinam. 

Tem dias em que esqueço de escovar seus dentes, que faltam à natação ou não comem fruta. Tem dias em que dá tudo errado e tiro zero nessa cartilha.

Porém, invariavelmente, uma coisa nunca falta. Seu olhar de amor e surpresa para o mundo. Isso é o meu alimento. Isso é a coisa mais linda que já testemunhei nessa existência.

Se um dia puder ser mais grata, agradecerei mais, todos os dias, por poder conviver com eles enquanto crianças. 

Tais Civitarese

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  • Outro dia li sobre a importância de verbalizar os sentimentos da forma mais verdadeira e honesta possível. Não somente para o outro mas principalmente para si mesmo.
    Taís, você faz isso lindamente.
    Este texto é, em si mesmo, uma expressão de gratidão à vida pelo seu convívio com os meninos. E aqui repito como meu, um desejo que você formulou há poucos anos atrás:
    Que seus meninos conservem por toda a vida esse olhar de amor e encantamento para com o mundo.

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