Daniela Piroli Cabral
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Pronto. O fim de semana tinha chegado. Após uma longa semana de trabalho, era sexta-feira e ela teria um fim de semana inteirinho, todinho só para ela. Já estava tudo planejado. Sessão cinema no sofá até a hora que os olhos se mantivessem abertos.
Dormiria até o corpo e a mente sentirem-se totalmente descansados. Acordaria sem despertadores analógicos, digitais, infantis ou caninos.
Simplesmente acordaria, prepararia aquele café forte feito na cafeteira italiana.
Cortaria uma fatia daquele pão de fermentação artesanal que comprara na véspera e comeria depois de mergulha-la no prato de azeite.
Sairia para uma longa caminhada, depois almoçaria com as amigas.
À tarde, se deliciaria com leitura de Alice Munro até o sono da sesta vir. Mais à noitinha, escreveria um pouco e talvez pegasse uma sessão de cinema.
No domingo sairia para exercitar os músculos na academia, sem aquela pressa dos dias úteis. Depois almoçaria com a sua mãe e visitaria uma amiga.
Mas não voltaria muito tarde, pois acordaria cedinho para o batente de segunda-feira. E assim foi. Pelo menos em parte.
Ela voltava do trabalho pensando no filme que assistiria no Netflix e na mantinha rosa felpuda que envolveria durante o seu happy hour de sexta-feira.
E apesar do tempo quente lá fora, após tomar aquele banho, ela abriu o armário à procura da manta.
Da manta e do travesseiro, quando… Pluft. A porta do armário que era feito de rouparia naquele imóvel alugado soltou em suas mãos.
Na verdade, a dobradiça inferior havia se soltado, por falta dos parafusos, deixando a porta “pendente”.
Ah, mas o que seria aquele incidente doméstico frente ao desejo incontrolável de jogar-se no seu momento liberdade? Ela fez vista grossa, fingiu que não era com ela.
Voltou delicadamente a porta para o seu lugar de origem, apoiando-a na porta ao lado e pulou imediatamente no sofá.
O filme não foi lá essas coisas, mas valeu o momento.
Já de pé no sábado de manhã, ela preparava o café quando foi abrir o armário superior para apanhar a cafeteira italiana. Pluft. A porta do armário superior da cozinha naquele imóvel alugado soltou em suas mãos. Não, aquilo não era possível.
Não, o universo não seria capaz de conspirar tanto contra seu fim de semana. Desta vez foi a dobradiça superior, faltavam ali não mais que dois parafusos.
É, o caos cósmico realmente estava tentando lhe ensinar algo. É, uma repetição de portas caídas só pode ser o sinal de que algo não vai bem. É, como uma figura masculina faz falta. É, ela não merecia momentos de prazer, estava sendo punida por erros de outras vidas.
Tinha que fazer rapidamente o reparo, pois quem era ela para desafiar aquelas mensagens brutalmente impostas.
Correu para o quartinho de ferramentas, respirou o melhor ar de mulher independente, escolheu a chave de fenda e os parafusos que se encaixassem nas dobradiças, porém não muito longos para não atravessar a madeira. E lá foi ela.
Abriu a escada de alumínio, subiu os três degraus e, usando a mão esquerda, embora fosse destra, rosqueou os parafusos nas dobradiças até estarem firmes e não permitirem meia volta.
Por fim, o último teste: fechar a porta e verificar seu êxito. Pluft. A porta pendeu novamente, a dobradiça cuspiu os dois parafusos, os buracos estavam esgarçados, tinham o diâmetro maior que os dos parafusos.
Talvez fosse necessário um reparo mais profissional, com a inclusão de buchas ou mesmo a troca das dobradiças, pensou.
Retirou a cafeteira, o ralador, a garrafinha da academia e mais algumas tupperware lá de dentro, acomodando-os na mesinha baixa.
Fechou novamente o armário repousando a porta de fórmica branca sob a outra porta do lado esquerdo. Uma solução provisória.
Correu para o escritório, pegou o bloquinho de post-it amarelo fluorescente e escreveu: “Não abrir. Risco de acidente”.