Tais Civitarese
No quarto em que eu dormia na infância tinha um quadro do Bambi. Era um pôster grande emoldurado, de fundo verde, no qual figurava o simpático animalzinho da Disney com uma borboleta laranja pousada em seu nariz. Lembro nitidamente.
Moramos nessa apartamento somente até os meus 5 anos. Mas me lembro como se estivesse olhando para aquela imagem agora mesmo.
Um dia, fomos nos mudar. Aquele fora o apartamento que papai havia herdado de meu falecido avô, e para o qual se mudara desde quando veio estudar em BH, na longínqua UFMG dos anos 60. A família crescendo, já estava na hora de dar mais um passo.
Ao fazer a mudança, papai foi tirar o quadro da parede. E qual não foi nossa surpresa quando saiu detrás dele uma enorme barata!
Eu gritei e saí correndo pelo corredor do apartamento. A barata saltou da parede para o chão e começou a correr atrás de mim.
Papai, meu herói, meu super forte, querido, protetor e amado pai ficou bem ali, paradinho onde estava, simplesmente rolando de rir.
Sim, papai ficou parado em seu canto e riu, riu, riu. Enquanto eu fugia da barata em pânico. O corredor parecia quilométrico.
Não houve rodo, vassoura ou chinelada que me salvasse do inseto maligno. Por fim, após muito sufoco, a graúda chegou até a sala e se escondeu. Mais tarde, soube que um inseticida dera conta do recado.
Hoje, não tenho nenhum medo de barata. Já matei inúmeras com a própria sola do pé calçado. Meu pai é uma das pessoas que mais amo no mundo todo.
Mas naquele singelo episódio – do qual nunca me esqueço – aprendi uma das lições mais valiosas da minha vida.
As pessoas que amamos e que nos amam nem sempre agem do jeito que a gente espera. Apesar disso, podem continuar sendo boas para nós do mesmo jeito. Poderia ter sido um trauma.
Mas não foi. Sem conceber dessa forma na época, vi ali que papai era humano. O humor da cena, para ele, falou mais alto.
Desconfio que ele mesmo estivesse com medo da bichana e que riu foi de nervoso. Vai saber…
Ficou o aprendizado.
Observando o mundo, às vezes parece que essa lição anda meio esquecida. São tantas reivindicações por aí que me sinto um pouco confusa.
Mas nunca perco isso de vista, uma vez que se tivesse ficado esperando e chorando para ser protegida, a cucaracha terrível teria me devorado.
Em meu caderno de memórias, está escrita essa sábia frase em letras garrafais e douradas: na vida, no final das contas, quem tem que se a ver com as baratas que pulam na gente somos nós mesmos