Taís Civitarese

A casa dos meus avós tinha uma cerca-viva toda de Caliandra. Quando encostávamos o dedo em suas folhas, elas se fechavam e ficavam finas, espremidinhas. Defendiam-se como se dizendo: “sai pra lá!”. Mais ou menos como faz o meu filho João Pedro. A natureza é sábia.

Apesar da cerca, uma vez, aos 4 anos, minha tia encontrou um buraco entre os galhos, atravessou-o, e desceu rolando o barranco que cercava a casa até parar numa árvore. Minha mãe, calmamente, foi até o chuveiro onde estava a minha avó e disse: “mamãe, a Didi caiu no barranco e desceu rolando até lá embaixo!”. Minha avó saiu desesperada de touca e toalha para ver o que estava acontecendo. Por sorte, foram apenas uns pequenos arranhões com titia. Alguém a salvou e a trouxe em segurança para casa. 

Foi nesse lugar que tive as experiências mais marcantes da minha infância. Praticamente um ensaio para o que seria a vida. Foi onde aprendi a brigar com os primos, a conhecer a natureza; onde assisti à Copa de 94 e onde senti pela primeira vez a delícia do ar frio do entardecer nas narinas. 

Minha avó tinha os cabelos brancos quando a conheci e depois passou a pintá-los de loiro. Ela sempre foi macia e sempre teve o melhor colo do mundo. Mamãe dizia que ela era brava, mas eu nunca acreditei nisso. Quando eu chegava para visitá-la, ela dizia na porta: “Oh, querida!”. Na casa dela, os copos eram de inox e se tomava café com leite. Na minha, o café era puro.

A despensa da cozinha tinha um cheiro estranho e eu gostava de me esconder lá e assustar minha irmã. Às vezes a porta emperrava e não fechava direito e ela logo me descobria, terminando a brincadeira. Meu avô trabalhava viajando e, quando retornava, nos trazia revistinhas. Mas não eram as comuns. Eram almanaques grossos e cheios de atividades para fazer. Era sempre uma alegria quando ele estava para chegar.

E assim, iam passando as férias. Em família, numa casa antiga, com muitas histórias. Com meus avós protetores. Num dia-a-dia comum onde figuravam costumes e objetos antigos, diferentes dos dias de hoje.

Não pretendo voltar lá nunca mais, porque meu avô faleceu e vovó hoje mora com minha tia (a que rolou barranco abaixo, quando pequena). A casa deve estar diferente após quase 30 anos. Nunca mais voltei lá desde que vovó se mudou. Mas, a verdade, é que passo por lá todas as férias. Quando tiro férias mesmo, as férias do pensamento, é para esse lugar que volto. Para aquelas pessoas e cheiros. Para aquelas histórias. E eu e minha irmã achamos que não existe um lugar melhor no mundo inteiro.

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