Daniela Piroli Cabral
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“Foi a melhor coisa que me aconteceu”.
“Fui à entrevista de emprego, mas estou torcendo para eles não me chamarem”.
Declarações como as de cima podem parecer despropositadas para falar de uma demissão, mas são relatos clínicos verídicos, feitos após um processo de reflexão sobre a perda do emprego e também do contexto atual do mundo do trabalho. Nos tempos bicudos de hoje, de crise e recessão, de fechamento de postos de trabalho, de reforma trabalhista, é quase impossível passar ileso. Ser demitido impõe uma crise que pode resultar em forte ambivalência.
Por isso é importante explorar algumas distinções nos campos objetivo e subjetivo da questão. Objetivamente, a demissão é um rompimento no vínculo empregatício que ameaça a sobrevivência pessoal em função da perda financeira. Ela ameaça também uma projeção de futuro que pode se estender até a aposentadoria. No campo subjetivo, uma demissão pode impor um abalo na identidade profissional. Mas, por outro lado, pode ser também um momento oportuno de avaliação e redefinição identitária.
A centralidade do trabalho nas nossas vidas faz com que, muitas vezes, haja uma forte relação de identificação da pessoa com a atividade profissional ou com a organização em que se trabalha, que, em casos extremos, acabam virando “sobrenome”. Assim, uma cisão no vínculo empregatício acaba por gerar também um rompimento na própria identidade. A demissão faz com que a pessoa internalize uma noção de fracasso que precisa ser trabalhada.
Os experts em carreira e mercado de trabalho proclamam aos quatro cantos a necessidade de constante atualização, flexibilização e capacitação. São frequentes as inúmeras exigências organizacionais de versatilidade, de profissionais “multitarefas”, de desenvolvimento de visão estratégica, o que acaba por impor uma pressão exagerada sobre o trabalhador, levando a quadros de ansiedade extrema e perpetuando um pano de fundo em que estão a competitividade e a concorrência exacerbadas. Dessa forma, muitas vezes os objetivos se tornam intangíveis e inatingíveis. Nunca estarei pronto para aquela vaga e a culpa será toda minha, porque “não me atualizei”, “me acomodei”, “parei para viver a vida”.
Além disso, aqui cabe uma distinção conceitual entre os termos trabalho e emprego.
O trabalho, diferentemente de vínculo empregatício, é a atividade essencialmente humana, fonte de criação e realização, transformadora do ambiente e de si mesmo, sem que necessariamente haja uma retribuição pecuniária por ele. Exemplos de trabalhos não remunerados são os trabalhos doméstico, artístico e voluntário. Outro dia ouvi de um colega: “Emprego não tem, mas trabalho tem muito”. Tudo isso pra dizer que o desparecimento do emprego é uma tendência, mas que sempre haverá muito a ser feito no mundo do trabalho.
Por isso, é importante ressignificar o processo de demissão para além do “fracasso” profissional ou mesmo pessoal. A demissão impõe uma pausa forçada, mas não necessariamente indesejada. Ela pode se tornar um bom momento para reflexão, redefinição de valores e realinhamento de objetivos de vida. É preciso lançar um olhar diferente para o sentido do trabalho para nós mesmos.
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A demissão é um duro golpe a auto estima das pessoas, natural que haja um momento de luto para um renascimento repleto de boas descobertas. Com relação às exigências do mercado de trabalho, fico com a célebre frase de uma autor que desconheço o nome: ” os patrões não seriam aprovados para as vagas de emprego por eles abertas por falta de capacidade, as exigências são tantas que eles mesmos não se enquadram. ”
Penso que o caminho do empreendedorismo é uma boa alternativa a se pensar…
Perder o emprego não é doença grave, nem falecimento, nem separação conjugal…. Apenas uma normal contingência da vida.
Abçs
Ronaldo Palermo
Excelente comentário Ronaldo
Fui demitido uma vez e me julguei bastante por isso até entender que o problema não era eu.
E digo que a frase do autor que diz “foi a melhor coisa que me aconteceu” é verdade, me ajudou a mudar de vida.
Oi, Ronaldo!
Obrigada pelo seu comentário.
Não respondi prontamente pois na semana passada estava justamente no Congresso Brasileiro de Psicologia Organizacional e do Trabalho, momento no qual apresentei meus trabalhos na área, Na oportunidade tivemos a chance de escutar colegas da área. Chamou-se a atenção que alguém usou o termo “neurose do desemprego”, termo utilizado para dizer da dificuldade de se concretizar e construir um “identidade” fora do contexto laboral. Muito interessante.
No texto de hoje, chamo atenção sobre a aposentadoria (http://blogs.uai.com.br/mirante/2018/07/18/quem-tem-medo-de-se-aposentar/) ressaltando a mesma questão da centralidade do trabalho.
Dá um conferida!